Amar e respeitar as crianças -Intenção do Papa para o mês de Dezembro
1. Celebrar a infância
As crianças são uma poderosa afirmação de vitalidade – e a vida deve ser celebrada, pois trata-se de um dom. As crianças são uma excelente razão para viver – pois elas, na sua dependência, exigem-nos que vivamos e vivamos plenamente, comprometidos com o seu presente e empenhados em preparar o futuro humanizado a que têm direito. As crianças são o motivo para não nos instalarmos num presente indefinido, egoisticamente fechados na concha do nosso quotidiano sem saída – pois são a nossa humanidade renovada e a renovação da humanidade.
Importa, por isso, celebrar as crianças. O mês de Dezembro, com as festas de Natal, é propício a esta celebração da infância. Não só pelas festas, pelos brinquedos, mas sobretudo porque na raiz de tudo isso, mesmo se já esquecido ou até rejeitado, está o nascimento de uma criança, há dois mil anos, em Belém de Judá: Jesus, de quem Se há-de escrever, anos mais tarde: «O Verbo (de Deus) fez-Se carne e habitou entre nós» – acontecimento único na história da humanidade mas, ao mesmo tempo, sempre renovado em cada criança que é concebida.
2. Quando as crianças não têm lugar
A cultura ocidental tem vindo a desenvolver uma doença única, no panorama das culturas actuais. Como nenhuma outra, cultiva uma estranha forma de desprezo e ódio por si mesma, pelas suas origens e por tudo quanto contribuiu para a tornar aquilo que é – e, de caminho, deixou de acreditar nos valores que universalizou, erigindo o bem estar económico como objectivo único dos seus trabalhos. Instalou-se no presente, rejeita o seu passado e descobre-se profundamente desconfiada e temerosa, face ao futuro.
Uma cultura assim tem sempre menos lugar para as crianças, pois constituem um risco, exigem sacrifícios, solicitam um passado onde enraizar-se e evocam o futuro que há-de ser seu. No Ocidente, as manifestações desta patologia estão um pouco por todo o lado: hotéis, restaurantes, condomínios «livres» de crianças, casais que não admitem ter filhos porque não querem «perder» liberdade nem diminuir o bem estar económico, gente para quem a palavra «procriação» tem estatuto de palavrão, taxas de natalidade abaixo do mínimo necessário para renovar as gerações... A coroar tudo isto, o aborto promovido como direito humano e método de planeamento familiar, protegido pelas leis dos Estados e financiado pelos mesmos Estados.
3. As crianças no fio da navalha
Há uma dimensão do Evangelho que nos passa ao lado com frequência. É aquele «vai e faz tu também do mesmo modo» com que Jesus encerra a parábola do «bom samaritano». Jesus não espiritualiza a caridade nem a torna algo de abstracto, uma espécie de pena indefinida por quem sofre. A caridade, para Jesus, vem com aquele que se cruza connosco e se faz nosso próximo, na sua dor. É a ele que precisamos de estar atentos, é dele que precisamos de nos fazer próximos, é deste próximo que precisamos de cuidar.
As crianças, na fragilidade que lhes é própria, encontram-se constantemente no fio da navalha: são mortas ainda antes de nascer, são agredidas, física ou psicologicamente, exploradas, usadas para fins inconfessáveis por adultos, transformadas em soldados, utilizadas para fins comerciais, usadas como arma de arremesso em situações de divórcio, desconsideradas no seu desenvolvimento equilibrado, etc.
Sabemos tudo isto. Mas fazemos algo de concreto pela criança que, na sua dor, se faz o nosso próximo? Sabemos que há crianças mortas antes de nascer, vítimas do aborto – e fazemos algo para ajudar aquela mulher grávida, abandonada e pressionada para abortar? Sabemos que há exploração sexual de crianças e escandalizamo-nos com isso – e fazemos algo para ajudar aquela adolescente que se prostitui na rua por onde passamos todos os dias? Sabemos que milhões de crianças passam fome – e fazemos algo para ajudar aquela família nossa vizinha a ter pão na mesa, às refeições? Sabemos que há crianças soldado, lá longe, na África e na Ásia – e fazemos algo para ajudar crianças nossas conhecidas vítimas da violência? Sabemos que há crianças exploradas por empresários gananciosos – e fazemos algo para ajudar aquela família que não pode pagar as contas ao fim de mês se lhe faltar o salário do filho mais novo?
Todos podemos fazer algo. Se temos filhos, comecemos por nossa casa, amando-os e cuidando-os, para que cresçam felizes e encontrem na família e na sociedade espaços de realização plena da sua infância e desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, e possam ser, mais tarde, jovens e adultos equilibrados, integrados e socialmente responsáveis, capazes de dar continuidade à humanização do mundo. Mas não fiquemos em casa, olhemos à nossa volta e tenhamos a coragem de acolher a criança que se faz nosso próximo, na sua necessidade. Será, sem dúvida, um modo excelente de celebrar um Natal cristão.
Elias Couto, in ecclesia
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