1. A presença de Bento XVI em Portugal irá destapar vários aspectos que importa considerar e vale a pena reter.
Desde logo, salta à vista o envolvimento generalizado. Praticamente ninguém fica indiferente.
Vir o Papa não é o mesmo que vir um chefe de Estado, um jogador, um artista ou uma outra figura pública.
São muitas as personalidades importantes que vêm ao nosso país. E não é difícil concitar multidões. Mas, nestes casos, trata-se de fenómenos localizados. Quando vem o Papa, o interesse é generalizado.
Mesmo numa situação de crise alimentada de polémicas e polvilhada de escândalos, é de salientar a mobilização.
E, nesta, há que incluir não apenas as multidões que acorrem, mas também as posições que se assumem e os comentários que se tecem.
Em tudo isto é perceptível que em causa está algo muito que vai para lá da pessoa do Papa.
2. A Igreja continua a estar entranhada na alma do povo. E, dado que convém não negligenciar, a Igreja encontra-se alojada sobretudo no coração das pessoas.
Seria pertinente fazer um estudo em torno destes acontecimentos, bem como em torno de Fátima e das festas dos padroeiros.
Há muita gente que se mobiliza nestas alturas sem que tenha uma participação frequente na vida da Igreja.
Aliás, não são poucos os peregrinos que demandam Fátima a pé e que confessam não serem católicos praticantes.
Sucede que esta mutação não pode passar despercebida. A chama da fé não morre mesmo quando o afastamento da instituição aumenta.
Há muitas pessoas que se mantém religadas a Deus e que, não obstante, se apresentam como desencontradas da Igreja.
Para elas, já não vale o argumento da autoridade. Questionam, divergem e, muitas vezes, contestam abertamente.
Mas, mesmo assim, a opção não é a descrença. É uma fé pessoal, quase sem mediações institucionais nem manifestações comunitárias frequentes.
Há que estar atento a esta nova tipologia do crente e do cristão. Martín Velasco dá conta de que, no coração de muitos, o cristianismo rejuvenesce enquanto a Igreja envelhece.
Sabemos que as coisas já não funcionam por automatismos nem, muito menos, por inércia.
3. Acresce que tudo isto demonstra à saciedade que o ser humano é, por natureza, um ser relacional. E, nessa medida, posiciona-se como um ser religioso.
O transcendente não o apanha totalmente alheado. Mesmo quando envereda pela negação, não deixa de haver relação.
Trata-se, em tal caso, de uma relação pela negativa. Mas, ainda assim, é relação.
Nunca é excessivo recordar a célebre confissão de Miguel Torga: «Deus. O pesadelo dos meus dias. Tive sempre a coragem de O negar, mas nunca a força de O esquecer».
Os caminhos de relação são múltiplos e nem a negação os exclui ou abafa. E, pormenor nada irrelevante, servem de alerta. Porquê a negação? Porquê o afastamento? Porquê o desencanto?
Nunca presumamos que este é apenas um problema dos outros. Está mais que estudado que o ateísmo é, quase sempre, reactivo.
Ele configura, na maioria das vezes, uma reacção de desalento diante daquilo que (não) se vê.
4. Jesus, como é sabido, deixou-nos um paradigma de transparência. Quem O via, via Deus (cf. Jo 14, 9).
É um facto que as pessoas, hoje em dia, estão cada vez mais atentas. É certo que também há generalizações e não poucas injustiças.
Mesmo assim, há um potencial que, embora adormecido, persiste na alma humana.
É isto que, uma vez mais, ganhou visibilidade. A alma religiosa do povo saiu das sombras. E é perceptível que ela continua viva.
É preciso estar à espera e manter-se à escuta. Os teólogos antigos falavam das sementes do Verbo que estão presentes em todos os homens.
Não fará mal recentrar a acção das Igrejas em Deus e nos crentes, nas pessoas que andam pelas estradas da vida.
A grande dor é sentirem-se desacompanhadas. A maior mágoa é, sem dúvida, o desacompanhamento.
Não se trata tanto de falta de respostas. Trata-se, acima de tudo, da ausência de eco para tantas perguntas. E inquietações.
http://theosfera.blogs.sapo.pt/292542.html
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