quinta-feira, 27 de outubro de 2011

REPENSAR A IGREJA EM PORTUGAL - Conclusões

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Nos primeiros meses do último ano pastoral, a diocese de Lamego – como todas as outras dioceses – concentrou-se no projecto “REPENSAR A IGREJA EM PORTUGAL”. Sacerdotes, religiosos e leigos, movimentos, paróquias, arciprestados, analisaram, debateram e propuseram.
A coordenação diocesana da pastoral recebeu todas as contribuições e elaborou a síntese dentro de um espírito de fidelidade ao que havia sido dito na base.
Este blog começa a publicar agora essas conclusões para que sejam conhecidas por todos e os ajudem a situar-se face à nova evangelização.

1. Sombras que nos desafiam no mundo e na Igreja actual
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NA SOCIEDADE
- Reconhecemo-nos numa sociedade em que o poder do dinheiro, como valor supremo, a ambição, a preocupação económica são os princípios determinantes na estruturação da sociedade e respectivos valores. As pessoas estão empenhadas no ter, no poder e no prazer, com exagerada valorização do corporal (material) e uma orientação consumista.
- Verifica-se uma desigualdade gritante no acesso aos bens. Ao lado de povos e pessoas com gastos sumptuosos, a pobreza extrema. Verifica-se ausência de ética de responsabilidade social. Os grandes conseguem manter e justificar a sua condição de privilegiados. As divisões e contrastes sociais vão-se acentuando. O desemprego é crescente, a exclusão social marcante. As situações de marginalidade vão alastrando, com consequências negativas como: os sem abrigo, o uso da droga, álcool, abuso da sexualidade, criminalidade, etc...A tendência individualista e o enfraquecimento da
solidariedade vão-se afirmando (egoísmo). Cresce a insensibilidade perante a realidade social. Há um culto do imediato, com medo de compromissos e de vínculos para o futuro.
Acrescem a tudo isto as referências em relação à classe politica, com um papel determinante na condução da sociedade:
- a classe política caiu em descrédito, gerando desconfianças e comprometendo a participação democrática;
- a corrupção, grande ou pequena, cujos sinais são demasiado evidentes destrói confianças e mina as relações entre as pessoas...
- o despesismo autárquico, às vezes mais preocupado com interesses particulares ou de grupos, do que com o bem comum, ou até como meio de afirmação pessoal (snobismo/vedetismo)...
- Denota-se uma sensação de solidão. A desertificação e envelhecimento do interior vão alastrando, o que gera angústia nas pessoas, acentua o atraso económico e social, traz preocupações em relação ao futuro. Como vai ser a vida económica e social numa sociedade onde vão predominar os idosos desamparados e solitários?
- A insegurança física e psicológica vai afectando o nosso modo de viver e de encarar o futuro. A isto ajudam a presença entre nós de gente de diversas nacionalidades. Há desconfiança pelos imigrantes que chegam e fraca aceitação dos emigrantes, quando regressam aos seus lares. A ameaça terrorista, a falta de segurança. A criminalidade e a repressão têm também o seu peso entre nós.
- O espírito sebastiânico (sebastianismo) faz parte da nossa índole: as pessoas esperam sempre alguém que resolva os problemas que a todos compete resolver; o fatalismo e o complexo de inferioridade face ao estrangeiro; a tendência para o pessimismo e a desvalorização das nossas capacidades (potencialidades) como povo português.
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NA FAMÍLIA
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- Um dos indicadores mais preocupantes do nosso tecido social é o que nos vem da família. A desagregação e a desestruturação das famílias continuam acentuar-se, associando-se-lhe a perda de valores pessoais, familiares e sociais. Os valores da família estão a perder-se significativamente, com os constantes, sistemáticos e diversificados atentados à instituição "família" e com a mudança de paradigma (da família em si mesma e dos respectivos valores).
- Na vida em família as referências morais parecem estar a diluir-se cada vez mais. As uniões de facto começam a ser encaradas como normais, assim como os casamentos pelo civil, divórcios ( reais ou fictícios por necessidades económicas) , amor livre e tudo o que se pode prever em relação à homossexualidade, com a abertura legislativa para as uniões homossexuais. Há uma utilização indiscriminada dos contraceptivos, aborto, violência doméstica…
- A proposta e imposição, por parte da sociedade, de paradigmas de vida familiar diferenciadas (famílias normalmente constituídas e organizadas, casais separados, divorciados, uniões homossexuais), mas consideradas perante a lei como igualitárias e como dando o mesmo contributo à construção e harmonia da sociedade, perturba as pessoas e distorce a verdade. “Todos são senhores dos mesmos direitos, mas não das mesmas obrigações, dos mesmos direitos”.
- Verifica-se uma certa pressão em relação à Igreja no sentido de aprovar os segundos casamentos e os casamentos gay .
- A baixa natalidade, o inverno demográfico, que afecta bastante o nosso meio, com uma
desertificação crescente e uma percentagem de idosos cada vez mais acentuada no tecido social.
- Verifica-se que é cada vez maior a percentagem de casais que não querem assumir o compromisso do casamento católico, preferindo o casamento pelo civil, ou simplesmente a união de facto.

- Em relação às famílias cristãs preocupa a perda de referências fundamentais como o sentido da Eucaristia dominical, ou a oração em família. Mesmo a preocupação pela educação cristã dos filhos está a diluir-se. Começam a aparecer crianças em idade de catequese sem baptismo. Ainda é grande a preocupação pela festa da Primeira Comunhão, diminuindo o interesse e preocupação à medida em que se vai crescendo. O desporto e diversas actividades culturais e recreativas, ou de formação, estão a impor-se como prioridade por parte dos pais, retirando ou diminuindo o interesse dos filhos pela prática dominical e pela catequese.
- É também cada vez mais frequente o pedido de baptismo dos filhos por parte de pais não casados catolicamente. O que levanta a questão do testemunho e garantia da fé...
- Na verdade a crise da família dita outras crises como a da Escola (educação) e a da Fé.
- Tudo isto traz preocupações em relação ao futuro.
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EM RELAÇÃO À IGREJA
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- A descristianização do nosso tecido social continua a avançar. Confrontamo-nos com uma crise de memória e herança cristãs.
- A Indiferença religiosa de muitos é uma realidade, podendo-se falar de um ateísmo prático.
Vivemos numa sociedade secularizada, que esqueceu Deus e a parte espiritual do homem. Verifica-se mesmo a presença de um secularismo militante, em que as religiões são consideradas sem significado para a vida pública.
- Para muitos, a Igreja não é necessária. Procura-se silenciá-la e à sua acção. Há uma exploração mediática de situações que lhe são menos favoráveis e alguma dificuldade para a Igreja se fazer compreender (linguagem). As suas instituições são constantemente questionadas. Esta sociedade que admira a coerência e o testemunho (casos de João Paulo II e Madre Teresa de Calcutá), é absolutamente arrasadora face à incoerência de vida dos cristãos (caso da pedofilia). À Igreja é-lhe apontada toda e qualquer falha (obrigada a ser perfeita).
- Caracteriza-nos uma fé sem razões de acreditar, por tradição, sem fundamentos bíblicos e
teológicos elementares. É ainda muito acentuada uma religiosidade tipo “comércio”… promessas, velinhas, caminhadas sacrificiais, sem compromissos com o dia a dia da vida. (Fiz as minhas devoções, já cumpri…) A vivência da fé cristã é concretizada mais como expressão religiosa que liga ao transcendente, acentuando a dimensão individual do que como vivência em comunidade. Na verdade constata-se a perda do sentido do outro e a diluição do sentido da comunidade... (o que quero é salvar a minha alminha...)
- Falta ao cristão uma vida cristã. À prática religiosa não corresponde a vida. Os cristãos não põem Deus em primeiro plano. Acima de Deus há outros valores: o lazer, o desporto a vida fácil. Televisão, Internet. Deixou de haver regras e comportamentos...
- Perante este facilitismo as igrejas esvaziam-se com cristãos escandalizados e envergonhados. As pessoas refugiam-se isolam-se por vergonha, medo, comodismo. E vão-se afastando da Igreja identificando-se como católicas não praticantes.
- Respira-se crise na procura e prática dos Sacramentos. Destaque para o Matrimónio(aumentam as uniões de facto e os divórcios). Há pouco apreço pela Confissão (comunhão sem confissão). As pessoas recebem o Sacramento da Confirmação, mas sem compromisso cristão. Cresce a falta de assiduidade às celebrações litúrgicas e a acções promovidas pela Igreja: Eucaristia, catequese, grupos de jovens, grupos de casais, etc.
- Falta ao cristão uma consciência esclarecida de Igreja. Muitos dos nossos leigos podem
considerar-se em idade infantil: sem compromisso com a sua laicidade e com a vida da Igreja…   Ainda há os que pensam que desempenhar alguma função na Igreja é “ajudar o senhor abade”…
- Os cristãos em percentagem significativa têm uma fé pouco convicta e profunda. A sua relação com a Igreja é ainda demasiado marcada pelo sentimento, sem uma articulação equilibrada com a racionalidade nas opções em nome (e pela) fé, esbatendo-se o sentido do dever. (Falta amor, acaba a relação..."Vou à Missa se me sentir bem"). Faltam testemunhos de vida coerentes com a fé.
- Há falta de rostos, pessoas, modelos concretos que encarnem verdadeiramente a caridade, o amor, que demonstrem coerência e postura face a uma causa, que tipifiquem o essencial do Evangelho.
Muitos sentem vergonha de se apresentarem como católicos (respeitos humanos). Faltam testemunhos públicos de gente pública e há dificuldades em encontrar espaço e presença em certos meios de comunicação (redes sociais). Faltam agentes de pastoral.
- O indivíduo cristão não se demarca dos outros, isto é, no quotidiano nota-se uma falta de
coerência entre o que se aprende e o que se demonstra. Existem pessoas sem prática religiosa que acabam por demonstrar mais qualidades do que aqueles que se dizem praticantes.
- Ainda somos demasiado cumpridores de acções e de hábitos mas não somos capazes de nos deixar envolver por eles. Por exemplo, até que ponto utilizamos os ensinamentos de Cristo para nos tornarmos melhores no dia-a-dia?...
- A Igreja, como povo de Deus, sente-se dispersa, esvaziada e acorrentada da sociedade nos seus valores ancestrais. A sua voz não penetra no meio das preocupações da vida, do materialismo, do hedonismo, do prazer, do luxo, do consumismo do relativismo, do ateísmo...
- A vida espiritual não dá gosto porque se baseia num autocomprazimento, sem vinculo aos outros.
  Vemos proliferar uma certa religiosidade sem culto e mesmo sem igreja-comunidade, numa certa autonomia, com desprezo pela igreja hierárquica. (Atenção por exemplo com o que se passa com as nossas festas religiosas). Daqui a confusão e hesitação que se nota nas responsáveis eclesiais, leigos e sacerdotes. Há uma quase capitulação, marcada pelo desânimo, descrença, medo e até fuga ou marginalização: "tanto me dá" " tanto faz" " não me importo".
- A nossa Igreja aparece como demasiadamente activa e pouco orante. "A melhor parte" está a ficar esquecida. Falta de oração-diálogo com Deus. A Igreja está a ser mais projecto dos homens do que de Deus. A questão económica sobrepõe-se à preocupação pastoral. Por vezes há descrença no
sacerdócio e desvalorização e marginalização do Padre por falta de testemunho e entusiasmo deste. E embora tenhamos um clero com espírito de pobreza e desprendimento, no entanto, por vezes ostenta sinais de riqueza material.
- Há dificuldades muito concretas no que respeita à transmissão da fé. A missão catequética não se mostra eficaz, nem é assumida pela família. A Igreja tem dificuldade em ler os sinais dos tempos e em assumir a sua missão profética (anunciar / denunciar...) No fundo a verdadeira dimensão do que é ser cristão não se torna perceptível pela sociedade em geral
- Verifica-se um proselitismo religioso por parte de algumas seitas religiosas que continuam a
actuar entre nós (Testemunhas de Jeová…)
- Na Igreja em Portugal e no mundo, preocupam o fervilhar de movimentos fundamentalistas
católicos que se difundem como cogumelos na internet
- Continua

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