“O segrede profissional dos padres ultrapassa o da
confissão. As leis em vigor dizem que os sacerdotes não podem ser interrogados pelas autoridades
acerca de factos que conheceram no exercido do seu mundus. As pessoas vêm falar
connosco sobre a sua vida, pedir ajuda... Recebo 7, 8 pessoas por dia na minha paróquia, e a maioria
não vem para ser ouvida em confissão. As pessoas contam-me coisas porque partem
do princípio que vou guardar reserva sobre elas.
A lista dos valores
pelos quais parece que vale a pena sacrificar o segredo de confissão é muito
longa. Mas a igreja tem como valor maior que todo o pecador pode dirigir-se ao seu pároco e contar-lhe os seus pecados -
e que isso está abrangido por um sigilo inviolável. Isto é um serviço à paz das consciências, à união das
famílias. A inviolabilidade deste segredo é tão forte que a pena de violação do
sigilo é a excomunhão reservada ao
Santo Padre. Na igreja Católica o segredo da confissão não cede perante
nenhum outro valor. E não está prevista nenhuma exceção.
Nunca conheci um padre que tivesse violado o segredo da
confissão. Perante casos mais graves, se alguém me confessasse, por hipótese,
intenção de matar a mulher, o que faria seria não lhe dar e absolvição, ameaçá-lo com as penas do
inferno - e calar-me muito bem calado. Graças a Deus nunca me aconteceu. Penso
que se me acontecesse ficaria muito perturbado com Isso e rezaria a Nosso
Senhor para que resolvesse a questão. Mas sei que há uma coisa que não poderia
fazer: telefonar à mulher a dizer que o marido a ia tentar matar. O código diz
claramente que não posso revelar o pecado. Em 32 anos de trabalho, nunca
tive a tentação de violar o segredo da confissão.
Estou acautelado pela
lei civil a não ter de prestar declarações, em tribunais ou inquéritos
públicos. Dou-lhe um exemplo: na véspera da famosa fuga de Peniche, em 1960, em que fugiram
dez reclusos presos por oposição à ditadura, todos eles, à exceção de Álvaro Cunhal, pediram para
falar com o capelão da cadeia, o padre monsenhor Bastos. Após a fuga, a monsenhor Bastos
nunca ninguém perguntou rada. Mem os agentes investigadores, nem o diretor da PIDE, nem o
ministro da Justiça, nem o dr. Salazar - ninguém.
Não sei como fazem os outros padres com os segredos que lhes
confiam, mas eu esqueço-me. O que chega a ser até um pouco embaraçoso. Não
faço por esquecer, mas a verdade é que me esqueço da maioria. Por vezes,
há coisas graves, terríveis, que não consigo esquecer facilmente. Nessas ocasiões,
rezo, rezo, rezo. Peço a Deus que me faça humilde e não me permita arvorar-me
em juiz dos meus irmãos, que não sou. Já houve confissões que me deixaram
profundamente perturbado e aflito, consciente dos limites da humanidade,
orante e ajoelhado diante de Deus. Não sou uma máquina registadora de pecados.
A confissão não faz
de nós terapeutas da alma. É um momento sagrado de encontro entre o
pecador e Deus que perdoa, em que o sacerdote é instrumento da misericórdia de
Deus. Não nos cria nenhum direito sobre a alma do penitente. A contrição verdadeira
(arrependimento pelos pecados) passa-se num santuário do coração onde eu não
tenho direito de entrar. Só Deus consegue entrar aí. Não me permito recusar a
absolvição a uma pessoa por não me parecer verdadeiramente arrependida. A
definição de santo é essa mesma, a de um pecador que não desiste de se
arrepender. Ser um repositório de segredos é difícil. Mas é mais belo que
difícil. Porque a luz de alívio no rosto do pecador absolvido é mais bela do
que tudo o mais”
P.e João Seabra,
aqui
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