Para o Dia Nacional da Cáritas, 3 de Março
1. Ao propor
o Ano da Fé, que estamos a celebrar, o Santo Padre afirmava: a fé “é
companheira de vida, que permite perceber, com olhar sempre novo, as maravilhas
que Deus realiza por nós.
Solícita a
identificar os sinais dos tempos, no hoje da história, a fé obriga cada um de
nós a tornarse sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo” (Porta Fidei,
15).
A fé, como
dom a acolher e vida a praticar, é chamada a estar presente em todos os
acontecimentos
e âmbitos do viver humano. Como encontro íntimo com Cristo a fé “caminha” nos conteúdos
e situações da vida humana, sem excluir nenhuma dimensão ou sector. Tudo lhe
diz respeito e tudo deve ser visto a partir dela. Assumida como encontro com
Cristo, deve traduzir-se em critérios, comportamentos, atitudes que tornem
visível a solicitude dum Pai Criador, manifestada através do amor redentor do
Filho muito amado e concretizada na variedade imensa de talentos e qualidades
das pessoas como fruto do Espírito de Amor presente e atuante na história.
2.Este
necessário envolvimento da fé na vida desperta o cristão para a história
humana, sabendo que os sinais que os tempos nos oferecem nos interpelam, pedem
a nossa responsabilidade, exigem o nosso compromisso. Como cidadãos e cristãos
nunca poderemos alhear-nos das condições de vida das pessoas e dos problemas da
sociedade. Antes, somos chamados a tomar consciência do bater do seu coração,
animados interiormente por um “coração que vê” e quer tornar visíveis no mundo
os sinais do amor gratuito de Deus pela humanidade, sinais esses que se concretizam
através da fidelidade e generosidade do agir humano.
Passar ao lado da realidade ou ignorá-la nas suas
interpelações à consciência humana e crente contradiz uma fé esclarecida e
comprometida. Percorrendo os caminhos dos homens e mulheres do nosso mundo e do
nosso tempo, concretizamos o compromisso da fé através duma cidadania ativa,
atenta às responsabilidades da hora presente, convicta da força transformadora
dos gestos e dos sinais que, como expressão da fé, apontam para uma humanidade
renovada. Se a fé é luz e força que faz compreender o quotidiano humano e
procura transformá-lo para o bem (de cada um e da comunidade no seu conjunto),
não podemos desresponsabilizar-nos, deixando de pensar a vida segundo os
critérios do Evangelho e de colocar as orientações que dele decorrem na praça
do diálogo e do confronto tolerante com os nossos concidadãos. Trata-se de uma
colaboração a prestar através da reflexão (Semana Social) e da acção em ordem a
que seja possível um novo modelo de sociedade.
São muitas as dificuldades que se apresentam e as forças adversas que
pressionam em sentido contrário. É mais fácil permanecer no imobilismo, na
desconfiança ou até num certo saudosismo do passado do que abrir-se à novidade
de estilos de vida diferentes, de decisões estruturais indispensáveis, de
compromissos voltados para futuro. O Evangelho é o mesmo de sempre, indicando-nos
o caminho promissor e libertador do amor a Deus e ao próximo. Acreditar no Evangelho
de Jesus e seu sentido para o viver humano individual e colectivo não é nunca
um fato privado duma relação pessoal com Deus: “a fé implica um testemunho e um
empenho público”; fé consciente e caridade activas não se separam; mais ainda,
a caridade não é uma simples consequência da fé, mas expressão, vivência da
própria fé, fé em acto.
3. Perante a simbologia da palavra crise, na sua mensagem para o Dia
Mundial da Paz, o Papa Bento XVI lança o desafio: “para sair da crise
financeira e económica actual, que provoca um aumento das desigualdades, são
necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a
criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e
de um novo modelo económico.”
Sabemos que a Igreja Católica, por graça de Deus e fidelidade de
muitos homens e mulheres que a constituem, tem marcado a diferença no campo
social, tornando manifestas, em múltiplas situações, a amplitude e a
profundidade do amor cristão. Factos recentes sinalizam o reconhecimento disso
mesmo: a “Carta de Louvor” atribuída pelo Conselho de Ministros à Obra Católica
Portuguesa das Migrações e o “Prémio Direitos Humanos” atribuído pela
Assembleia da República à Cáritas Portuguesa.
Contudo, há sempre um caminho a percorrer na fidelidade ao Evangelho e
na consciência da cidadania responsável. Este tempo quaresmal que estamos a
viver exige-nos um exame de consciência, reavaliando a autenticidade e a
qualidade do que vamos fazendo, olhando mais ampla e profundamente para as
tarefas que estão à nossa frente. Mergulhado nas circunstâncias concretas e
complexas deste mundo, o cristão nunca esquece que a meta a alcançar e o maior
de todos os prémios a receber é a vida eterna! Os reconhecimentos civis são um
indicativo de que estamos no bom caminho e fortalece-nos na nossa determinação,
mas, à luz do Evangelho, sabemos que o caminho a percorrer é longo, sempre de
novo ameaçado pelas nossas fragilidades.
Aliás, Jesus é muito claro na sua advertência: “Se não vos
arrependerdes…”. E, mais tarde, Paulo sublinhará na Primeira Carta aos Coríntios:
“Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a
ciência, ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não
tiver amor, nada sou.”
4. Por tudo isto, o Dia Nacional da Caritas deve ser uma ocasião para
favorecer uma maior consciencialização sobre o lugar que a caridade deve ocupar
nas nossas vidas e reforçar a coragem duma indispensável presença interventiva
na sociedade. A fé incute-nos o dever de oferecer e propor aos homens e mulheres
deste século XXI uma nova gramática do humano, onde a caridade seja estilo
coerente e feliz de vida e, assim, a relação entre as pessoas e o funcionamento
das estruturas da sociedade consigam ser expressões mais consentâneas de um
mundo onde vale a pena viver. Apesar de todas as contrariedades e obstáculos,
quando a fé e o amor caminham
juntos, podemos experimentar que, de facto e como recorda o filme de
Roberto Benini, afinal “A vida é sempre bela”.
+ Jorge Ortiga, A. P.
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