quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

“Fé Comprometida. Cidadania ativa”


Para o Dia Nacional da Cáritas, 3 de Março
 
1. Ao propor o Ano da Fé, que estamos a celebrar, o Santo Padre afirmava: a fé “é companheira de vida, que permite perceber, com olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós.
Solícita a identificar os sinais dos tempos, no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornarse sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo” (Porta Fidei, 15).
A fé, como dom a acolher e vida a praticar, é chamada a estar presente em todos os
acontecimentos e âmbitos do viver humano. Como encontro íntimo com Cristo a fé “caminha” nos conteúdos e situações da vida humana, sem excluir nenhuma dimensão ou sector. Tudo lhe diz respeito e tudo deve ser visto a partir dela. Assumida como encontro com Cristo, deve traduzir-se em critérios, comportamentos, atitudes que tornem visível a solicitude dum Pai Criador, manifestada através do amor redentor do Filho muito amado e concretizada na variedade imensa de talentos e qualidades das pessoas como fruto do Espírito de Amor presente e atuante na história.
2.Este necessário envolvimento da fé na vida desperta o cristão para a história humana, sabendo que os sinais que os tempos nos oferecem nos interpelam, pedem a nossa responsabilidade, exigem o nosso compromisso. Como cidadãos e cristãos nunca poderemos alhear-nos das condições de vida das pessoas e dos problemas da sociedade. Antes, somos chamados a tomar consciência do bater do seu coração, animados interiormente por um “coração que vê” e quer tornar visíveis no mundo os sinais do amor gratuito de Deus pela humanidade, sinais esses que se concretizam através da fidelidade e generosidade do agir humano.
Passar ao lado da realidade ou ignorá-la nas suas interpelações à consciência humana e crente contradiz uma fé esclarecida e comprometida. Percorrendo os caminhos dos homens e mulheres do nosso mundo e do nosso tempo, concretizamos o compromisso da fé através duma cidadania ativa, atenta às responsabilidades da hora presente, convicta da força transformadora dos gestos e dos sinais que, como expressão da fé, apontam para uma humanidade renovada. Se a fé é luz e força que faz compreender o quotidiano humano e procura transformá-lo para o bem (de cada um e da comunidade no seu conjunto), não podemos desresponsabilizar-nos, deixando de pensar a vida segundo os critérios do Evangelho e de colocar as orientações que dele decorrem na praça do diálogo e do confronto tolerante com os nossos concidadãos. Trata-se de uma colaboração a prestar através da reflexão (Semana Social) e da acção em ordem a que seja possível um novo modelo de sociedade.
São muitas as dificuldades que se apresentam e as forças adversas que pressionam em sentido contrário. É mais fácil permanecer no imobilismo, na desconfiança ou até num certo saudosismo do passado do que abrir-se à novidade de estilos de vida diferentes, de decisões estruturais indispensáveis, de compromissos voltados para futuro. O Evangelho é o mesmo de sempre, indicando-nos o caminho promissor e libertador do amor a Deus e ao próximo. Acreditar no Evangelho de Jesus e seu sentido para o viver humano individual e colectivo não é nunca um fato privado duma relação pessoal com Deus: “a fé implica um testemunho e um empenho público”; fé consciente e caridade activas não se separam; mais ainda, a caridade não é uma simples consequência da fé, mas expressão, vivência da própria fé, fé em acto.
3. Perante a simbologia da palavra crise, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, o Papa Bento XVI lança o desafio: “para sair da crise financeira e económica actual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo económico.”
Sabemos que a Igreja Católica, por graça de Deus e fidelidade de muitos homens e mulheres que a constituem, tem marcado a diferença no campo social, tornando manifestas, em múltiplas situações, a amplitude e a profundidade do amor cristão. Factos recentes sinalizam o reconhecimento disso mesmo: a “Carta de Louvor” atribuída pelo Conselho de Ministros à Obra Católica Portuguesa das Migrações e o “Prémio Direitos Humanos” atribuído pela Assembleia da República à Cáritas Portuguesa.
Contudo, há sempre um caminho a percorrer na fidelidade ao Evangelho e na consciência da cidadania responsável. Este tempo quaresmal que estamos a viver exige-nos um exame de consciência, reavaliando a autenticidade e a qualidade do que vamos fazendo, olhando mais ampla e profundamente para as tarefas que estão à nossa frente. Mergulhado nas circunstâncias concretas e complexas deste mundo, o cristão nunca esquece que a meta a alcançar e o maior de todos os prémios a receber é a vida eterna! Os reconhecimentos civis são um indicativo de que estamos no bom caminho e fortalece-nos na nossa determinação, mas, à luz do Evangelho, sabemos que o caminho a percorrer é longo, sempre de novo ameaçado pelas nossas fragilidades.
Aliás, Jesus é muito claro na sua advertência: “Se não vos arrependerdes…”. E, mais tarde, Paulo sublinhará na Primeira Carta aos Coríntios: “Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou.”
4. Por tudo isto, o Dia Nacional da Caritas deve ser uma ocasião para favorecer uma maior consciencialização sobre o lugar que a caridade deve ocupar nas nossas vidas e reforçar a coragem duma indispensável presença interventiva na sociedade. A fé incute-nos o dever de oferecer e propor aos homens e mulheres deste século XXI uma nova gramática do humano, onde a caridade seja estilo coerente e feliz de vida e, assim, a relação entre as pessoas e o funcionamento das estruturas da sociedade consigam ser expressões mais consentâneas de um mundo onde vale a pena viver. Apesar de todas as contrariedades e obstáculos, quando a fé e o amor caminham
juntos, podemos experimentar que, de facto e como recorda o filme de Roberto Benini, afinal “A vida é sempre bela”.
+ Jorge Ortiga, A. P.


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