segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A comunhão como identidade e tarefa

Conceito-chave da eclesiologia do Vaticano II

A importância do pós-Concílio é notória na acentua­ção que tem sido feita da comunhão como “ideia central e fundamental nos documentos do Concílio” Convirá, entretanto, recordar o itinerário percorrido até se ter expli­citado este reconhecimento para se poder aferir, com a maior clareza possível, a sua verificabilidade.


Compreendida como mistério, a Igreja não é redutível a palavras ou definições. Daí que o Concílio tenha, conscien­temente, evitado descrevê-la através de um único conceito, recorrendo a várias representações como redil, rebanho, construção de Deus, esposa do Cordeiro, etc. Aliás, a própria Sagrada Escritura, onde se encontram estas repre­sentações, recorre a um extenso elenco de imagens para exprimir a realidade teológica da Igreja. Cada uma destas imagens acentua um determinado aspeto, sem que qual­quer delas constitua, por si só, uma descrição exaustiva da Igreja.
É, contudo, função da teologia utilizar estas imagens de forma reflexiva, “a fim de elaborar uma noção mais precisa e mais geral de Igreja. É aqui que aparecem os chamados modelos, enquanto referências a partir das quais se procura situar, teologicamente, a Igreja. Sabemos que o Vaticano II procurou superar um modelo marcadamente jurídico e institucional que pairava quer na compreensão, quer na prática da Igreja.
Percebe-se assim que a noção de de Deus tenha sido objeto de uma preferência dos Padres conciliares, como se depreende, desde logo, pelo lítulo do capítulo segundo da Lumen Gentium: precisamente O povo de Deus. É que esta noção prestava se a Ilustrar a conceção, essencialmente comunitária, de Igreja que o Concílio pre­tendia propor. Com ela, na verdade, ficava suficientemente realçada uma afirmação importante: a de que a Igreja não pode ser identificada apenas com a hierarquia. A Igreja diz respeito a todos os batizados, tanto no que concerne à sua dignidade de membros como no que se refere à sua responsabilidade na missão.
Além disso, nesta noção de povo de Deus, sublinhava-se outra vertente fundamental da compreensão da Igreja. Trata-se da sua unidade, que é de natureza religiosa. Com efeito, o próprio Deus é o autor de toda a comunhão eclesial. Por conseguinte, é preciso dispensar, nesta noção, uma atenção especial ao determinativo de Deus. Pois é a Deus que este povo (a Igreja) deve a sua existência e a sua identidade.
Foi exatamente neste domínio que a assimilação da eclesiologia do Vaticano II se revelou mais problemá­tica. De facto, uma leitura superficial do Concílio levou a que a noção de povo de Deus fosse, não raramente, apreendida e divulgada de forma ideológica. Em certos ambientes, a compreensão do povo de Deus não terá sido completamente imune à influência do próprio marxismo, ficando assim amputada do seu sentido original, que é bíblico.
O risco de se permanecer numa Igreja prevalentemente institucional era patente, embora de modo diferente: a acentuação do pólo hierárquico dava lugar a uma ênfase na oposição entre povo e hierarquia. Mais uma vez, a comunhão, na sua genuinidade, estava em perigo. É neste contexto que o Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 propõe uma releitura do mistério da Igreja polarizada em torno do modelo da comunhão.
Não se trata, portanto, de substituir uma noção por outra, mas de fazer uma nova acentuação. Tenha-se, com efeito, em linha de conta que a comunhão aparecia já refe­rida ao mistério da Igreja nos documentos do Concílio, nomeadamente na Lumen Gentium e no Unitatis Redintegratio. Deste modo, chega-se à conclusão de que “o conceito de comunhão é muito adequado para exprimir o núcleo profundo do mistério da Igreja e pode ser cer­tamente a chave de leitura de uma renovada eclesiologia católica”.
In Continuará o Concílio atual

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