sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

D E U S

Deus de Abraão,
da partida para não se sabe onde,
do filho que se ensina cada dia a perder,
da promessa que não para de se realizar,
do humor que amadurece da esterilidade.

Deus de Jacob
do combate de toda a noite e sem vitória ao fim
do esgotante esforço para unir doze irmãos inimigos,
do périplo no estrangeiro onde tu vives disperso
da desordem trocista de todos os direitos de progenitura.

Deus de Moisés,
da lei que quereria definir o bem e o mal,
do deserto que o próprio Deus já não é de ninguém
da brisa suave, não da tempestade
da terra entrevista, e do morrer ao vê-la.

Deus de David,
do templo em que o homem te quer aprisonar,
do amor da mulher até ao remorso
da alegria der de cantar Aleluia
da fraqueza estampada na fronte do super-homem.

Deus de Elias,
do fogo que reaviva cada um dos nossos falsos deuses,
da terra à imagem dos corações, ressequida
da fome da barriga dos pobres e da vingança nos seus olhos
da profecia que desconstrói hábitos e poderes.

Deus de Job
da dor que abala o menor ponto de apoio
da carência onde se articula o que nos resta de esperança
da solidão onde se extinguem os cordiais falsos semblantes
do desespero e da esperança.

Deus da Babilónia,
do exílio que desenraíza todas as certezas
da cidade cosmopolita que recua as fronteiras
da alegria de viver, se ela fosse melhor partilhada,
do regresso e da utopia duma conversão jamais acabada.

Deus de Jesus,
da solidariedade com os pobres e os impuros
do gesto mais verdadeiro que todos os ritos
do quotidiano banal recebido em acção de graças
da morte por uma fé vivida em amor.

Deus deste pão,
da refeição onde cada um partilha o espirito de que vive
da mesa onde cada um tem fome de todos os outros
do corpo oferecido a todos os corpos
e que os torna oblativos.

Deus deste vinho,
da alegria que vem de passar o cálice de mão em mão
do sangue derramado por amor das veias do novo homem.

Deus de nós todos,
amigo exigente e difícil, conciliante todavia
poço de silêncio, veneno mortal das nossas elucubrações
palavra ardente, convicção o das nossas inquietações .

Deus de cada manhã,
vida que escapa ao passado para não ser nunca tradição
espirito que ultrapassa o instante para não ser nunca possessão
caminho através das idades sem fim e sempre-a-vir.

Deus do outro,
espaço intransponível do meu coração ao seu
fronteira permanentemente recuando entra a minha raça e a sua
muralha a desmoronar-se entre a minha dignidade e a sua.

Deus absolutamente outro,
mais familiar do que não é ainda do que já é
mais rico de todo o possível do que o que já vemos
mais parecendo rostos ainda a decifrar do que aqueles que nós já conhecemos.

J. Th. Maertens

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