1. Vivemos (ontem) a
celebração de Todos os Santos, fixando os nossos olhos nestes nossos irmãos e
irmãs, que nos fazem companhia ao longo do nosso caminho na Terra, e são testemunhas
da nossa esperança no Céu. Agora (hoje) gostaria
de pôr em confronto esta esperança cristã com a realidade da morte que a nossa
civilização moderna tenta esconder ou descartar cada vez mais. Assim, quando a
morte chega, seja para quem nos é próximo, seja para nós mesmos, não nos
encontra preparados! Falta-nos hoje um “alfabeto” adequado para oferecer
palavras reveladoras e decisivas, diante de alguém que nos
morre.
2. Poderíamos
mesmo dizer que o homem nasceu e se afirmou como tal, precisamente com o culto
dos mortos. O homem morre como as outras criaturas, mas é a única criatura que
sabe que vai morrer. Assim, a morte põe a nossa vida a nu. Faz-nos descobrir
que as nossas ações de orgulho, ira e ódio são vaidade, pura vaidade.
Apercebemo-nos, desapontados, que não amámos o suficiente e que não procurámos
o que era essencial. E, pelo contrário, vemos, a partir da morte, o que de
verdadeiramente de bom semeámos: os afetos pelos quais nos sacrificamos e que
agora nos levam pela mão. Então, o pensamento da morte é princípio de
sabedoria, daquela sabedoria do coração.
3. Jesus
iluminou o mistério da nossa morte. Ele ficou «profundamente» perturbado diante
do túmulo do amigo Lázaro, e «desatou a chorar» (Jo 11,35). Nesta
sua atitude, sentimos Jesus muito próximo, nosso irmão na dor, no luto. E vemo-l’O
rezar ao Pai, fonte da vida, ordenando a Lázaro que saia do sepulcro. E assim
acontece! A esperança cristã alimenta-se nesta atitude de Jesus contra a morte:
mesmo estando presente na criação, a morte é uma cicatriz que deturpa o
desígnio de amor de Deus e por isso o Salvador vem chamar-nos e resgatar-nos da
morte para a Vida nova.
4. Ao choro
de Marta pela morte do irmão Lázaro, Jesus contrapõe a luz da fé e a esperança
no amor mais forte do que a morte: «Eu
sou a Ressurreição e a Vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e
todo aquele que vive e crê em Mim não morrerá jamais. Acreditas nisto?» (Jo 11,25-26). Eis a
pergunta que Jesus repete a cada um de nós todas as vezes que a morte vem
arrancar o tecido da vida e dos afetos! Toda a nossa existência se joga aqui,
entre a vertente da fé e o precipício do medo. Que grande graça, se no momento da
morte guardarmos no coração a pequena chama da fé que as velas acesas nos
recordam. Então, Jesus guiar-nos-á pela mão.
5. Precisamos de valorizar os gestos de acolhimento, de presença e
de proximidade, de oração e de acompanhamento das pessoas, em situações de
luto. A Igreja não pode alhear-se dos seus filhos, em situações tão dolorosas,
como é esta, “quando a morte crava o seu
aguilhão” (cf. Misericordia et Misera,
n.º 15; AL, n.os 253-258). Por isso, exorto a que
animemos de maior espírito pascal as celebrações exequiais.
6. Convido-vos, por fim, a fechar um pouco os olhos e a
pensar no momento da nossa morte, em que Jesus virá para nos tomar pela mão,
com a Sua ternura, a Sua mansidão, o Seu amor, e nos dirá: “Vem, vem comigo, levanta-te”. Deixemo-nos
levar até Ele e elevar por Ele. Alcançaremos então a vida plena que
esperávamos! Esta é, pois, a nossa
esperança, diante da morte. Para quem crê, é uma porta que se abre de par em
par; para quem duvida, é uma brecha de luz que filtra por uma porta que não se
fechou completamente. Mas será para todos nós uma graça, quando esta luz, do
encontro com Jesus, nos iluminar por inteiro e contemplarmos a Deus face a
face, exclamando como o salmista: “Na Tua
Luz, Senhor, veremos a luz” (Sl 36,9).
Amaro Gonçalo
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