quinta-feira, 19 de junho de 2014

Os escravos dos tempos modernos

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Tráfico de seres humanos é realidade em Portugal também

A polícia teve de saltar o muro para socorrer a X. Estava presa em casa há mais de um ano quando os agentes da GNR a foram salvar das mãos de um senhor mais velho que a tinha "mandado" vir da Guiné-Bissau com a promessa de poder continuar os estudos que tinha iniciado no seu país. Iludida com esta promessa, X aceitou casar com o homem em questão, já que este lhe disse que só assim poderia entrar em Portugal e ficar a residir cá legalmente.

Quando chegou ao nosso país, foi fechada numa casa isolada e rodeada por muros altos e obrigada a ter relações sexuais não consentidas com ele durante todo o tempo que esteve lá em casa. Sob ameaça de violência física, que era cumprida repetidamente, quer ela colaborasse, quer não colaborasse, X nunca teve coragem de tentar fugir, pois receava ser presa pelas autoridades, já que era esse medo que lhe tinha sido incutido no pensamento pelo homem que a mantinha cativa. Era obrigada a cozinhar para ele, a fazer as lides da casa, tudo sem receber qualquer remuneração, e ainda tinha de manter todas as relações conjugais que ele exigia.

Esta história trágica, que está em julgamento, é uma igual a tantas outras que existem no nosso país. Poderíamos pensar que o fenómeno do tráfico de seres humanos era uma realidade apenas nos países em vias de desenvolvimento, mas tal não é verdade. Cláudia Pedra, investigadora do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI), baseia-se no estudo «A Proteção dos Direitos Humanos e as Vítimas de Tráfico de Pessoas», apresentado em outubro de 2012, que denunciava a existência de 250 a 270 vítimas de tráfico no nosso país. Segundo a investigadora, os números são quase «três vezes superiores aos que o Governo anuncia». Portugal é destino de chegada e trânsito para a maioria das vítimas, embora 9% das vítimas identificadas por este estudo sejam portuguesas.

Ninguém sabe bem a verdade sobre esta realidade, para sermos justos. É um mundo sombrio, onde quem está não fala e quem não está desconhece por completo. São círculos fechados, que inspiram tanto medo em quem é atingido por eles, que poucos são os que têm coragem de se chegar à frente.

Uma vida a olhar por cima do ombro, de insegurança, é precisamente o que as organizações de apoio às vítimas de tráfico procuram impedir. Em Portugal, existem instituições do Estado e muitas outras particulares, de âmbito religioso ou não, que prestam este serviço. Mas o seu trabalho não é fácil. «O Estado tem uma casa de proteção para vítimas, e obriga as instituições que assinalam vítimas de tráfico a enviá-las para lá. Mas muitas não querem ir, porque se sentem seguras na instituição que as acolheu, e isto torna o processo muito complicado», desabafa. Também o estudo apresentado no início do ano passado é crítico em relação ao Estado. Nas conclusões pode ler-se que 53% das vítimas identificadas não receberam qualquer apoio e que, das que receberam, 74% foi dado por ONG, 14% pelo Estado e 12% por instituições religiosas. Para além disso, o estudo refere que há uma «insuficiência do sistema de proteção e apoio às vítimas» em termos «qualitativos» e «quantitativos».

Podem ler todo o artigo na edição de junho da revista Família Cristã. Em baixo ficam alguns dos indicadores que permitem identificar uma pessoa vítima de tráfico. Porque é dever de todos estarmos atentos...

Pessoas que foram traficadas podem, entre outros:• acreditar que devem trabalhar contra a sua vontade;
• ser incapazes de abandonar o seu ambiente de trabalho;
• mostrar sinais de que os seus movimentos estão a ser controlados;
• sentir que não podem sair;
• mostrar medo ou ansiedade;
• estar sujeitas a violência ou a ameaças de violência contra eles próprios ou contra os seus familiares e entes queridos;
• apresentar lesões que parecem ter resultado de uma agressão;
• apresentar lesões típicas de alguns trabalhos ou de medidas de controlo;
• apresentar lesões que parecem ser o resultado da aplicação de medidas de controlo;
• desconfiar das autoridades;
• sofrer ameaças de serem entregues às autoridades;
• ter receio de revelar o seu estatuto de imigrante;
• não possuir o seu passaporte ou outros documentos de viagem ou identificação, sendo estes guardados por outra pessoa;
• ter documentos de identidade ou de viagem falsos;
• ser encontradas em ou estar ligadas a locais provavelmente utilizados para a exploração de pessoas;
• não conhecer o idioma local;
• desconhecer a sua morada de casa ou de trabalho;
• permitir que outros respondam por si quando são questionadas diretamente;
• agir como se tivessem sido orientadas por outra pessoa;
• ser forçadas a trabalhar sob certas condições;
• ser disciplinadas através do castigo;
• ser incapazes de negociar condições de trabalho;
• não receber salário ou receber um salário reduzido;
• não ter acesso aos seus rendimentos;
• trabalhar excessivamente por longas horas e sem descanso;
• não ter dias de descanso;
• viver em condições deploráveis ou mesmo em locais sem condições de habitabilidade;
• não ter acesso a cuidados médicos;
• achar que estão em servidão para pagar uma dívida;
• ter um contacto limitado com os seus familiares ou com pessoas exteriores ao seu ambiente próximo;
• ser incapazes de comunicar livremente com os outros;
• ter a impressão de que estão em situação de dívida;
• estar numa situação de dependência;
• ser originárias de um país conhecido como sendo origem de casos de tráfico de seres humanos;
• ter tido as despesas de transporte para o país de destino pagas por facilitadores que devem ser reembolsados com trabalho ou serviços a realizar no destino;
• ter agido com base em falsas promessas.
Fonte: aqui

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