1. É a consciência o mais sagrado património que cada um de nós transporta.
É a ela que recorremos para discernir, escolher e actuar. Nada nos move tanto como seguir a sua voz. E nada nos fere tanto como sermos coagidos a violar os seus ditames.
A consciência é vista, desde o princípio, como uma espécie de vestígio seminal do divino em cada homem.
É neste contexto que o Concílio Vaticano II lhe chama o «santuário secreto».
Aliás, já muitos séculos antes, Pierre Bayle descrevia a consciência como «a voz e a lei de Deus». Pelo que «violar a consciência é, essencialmente, violar a lei de Deus».
2. Não espanta, assim, que Joseph Ratzinger tenha sustentado, em 1968, que, «acima do Papa, está a própria consciência, à qual há que obedecer antes de mais, ainda que seja contra o que diz a autoridade eclesiástica».
João Paulo II viria a sufragar esta posição, em 1991, na mensagem para o Dia Mundial da Paz: «Nenhuma autoridade humana tem o direito de intervir na consciência seja de quem for».
Neste sentido, «negar a uma pessoa plena liberdade de consciência ou tentar impor-lhe uma maneira particular de compreender a verdade vai contra o seu direito mais íntimo».
Foi, porém, sinuoso o caminho da Igreja até chegar a este reconhecimento.
Ainda no século XIX, Gregório XVI considerava a liberdade de consciência um «erro pestilento, sentença absurda e errónea ou, melhor dito, uma loucura»!
Subsiste, no entanto, uma certa tendência da autoridade para se sobrepor à consciência, para condicionar e controlar a consciência.
É claro que a consciência de cada um não pode despontar como um absoluto. É que tanto invoca a consciência quem pratica o melhor gesto como quem comete o mais ominoso crime.
3. As posições tendem a oscilar entre um subjectivismo extremo e uma presumida objectividade radical.
No primeiro caso, voltamos a encontrar Pierre Bayle. Para ele, «um homem que comete um assassínio, seguindo os instintos da consciência, faz uma acção melhor do que se a não fizesse, e os juízes não têm direito de o punir, porque só faz o seu dever».
É perante este quadro que alguns pretendem submeter a consciência a uma verdade objectiva.
A dificuldade está no apuramento desta verdade objectiva. Nas ciências naturais, como a matemática, a física ou a química, não é difícil localizá-la.
Já no que toca aos valores e aos comportamentos humanos, a avaliação é completamente diferente.
Quer queiramos quer não, há sempre uma componente de subjectividade.
Parafraseando Alçada Baptista, diria que se o homem fosse objecto, seria objectivo; como é sujeito, será sempre subjectivo.
Isso não significa que a consciência de cada um seja um absoluto sem escrutínio.
Há determinados actos que nenhuma consciência pode legitimar. Trata-se, como adverte Vladimir Jankélévitch, daqueles actos «que negam a essência do homem enquanto homem».
É o caso da violência, da mentira, da calúnia e de todo e qualquer prejuízo provocado ao próximo.
4. Nenhuma consciência poderá atentar contra a famosa (e imprescritível) regra de ouro: «Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti».
Esta regra de ouro pode ser incluída no conhecido axioma kantiano: «Age de tal modo que os teus princípios possam tornar-se lei para todos».
O respeito que invoco para a minha consciência é inseparável do respeito que me há-de merecer a consciência do meu semelhante.
A prioridade da pessoa é o que deve prevalecer. A autoridade está ao serviço da pessoa. Não pode abafar a pessoa.
A autoridade existe para que a consciência de cada um seja respeitada. Para que, no fundo, seja garantido que a autoridade maior é a consciência
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