D. Manuel Martins, bispo de Setúbal entre 1975 e 1998, morreu este domingo, aos 90 anos. Conhecido como o "bispo vermelho", pela sua acção de denúncia das situações de fome e de injustiça social, morreu às 14h05, em casa de familiares, na Maia, onde se encontrava.
O primeiro-ministro, António Costa, reagiu no Twitter à notícia da sua morte: "É com grande tristeza que recebo a notícia do falecimento de D. Manuel Martins, grande referência da consciência social", escreveu, concluíndo que a "melhor homenagem à sua memória é a acção pela erradicação da pobreza". Também no Twitter, o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, despediu-se dizendo que os pobres e os trabalhadores ganharam "um intercessor no céu". Alguém que, segundo o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve sempre atento "à luta pela liberdade" e que foi uma espécie de "projecção da linhagem de D. António Ferreira Gomes no mundo do trabalho".
Nascido a 20 de Janeiro de 1927, em Leça do Balio, Matosinhos, e ordenado sacerdote em 1951, Manuel da Silva Martins foi pároco na freguesia de Cedofeita nos anos 60, no centro do Porto, já depois de ter frequentado o curso de direito canónico na Universidade Gregoriana em Roma.
Mas foi enquanto bispo de Setúbal, cargo em que se manteve ao longo de 23 anos (até que, em 1998, o Papa João Paulo II aceitou o seu pedido de resignação), que D. Manuel Martins se notabilizou, pela sua atenção aos problemas do desemprego, da habitação social e do trabalho infantil. "Chamavam-me 'bispo vermelho' porque ocupava espaços de onde a Igreja nunca devia ter saído", sustentara o próprio, numa entrevista à TSF, em Março de 2016.
Durante esses anos, ficaram para a história as polémicas de D. Manuel Martins com Mário Soares e Cavaco Silva, numa Setúbal muito marcada pelo encerramento de fábricas e pelo desemprego. Soares chegou, enquanto primeiro-ministro, a negar publicamente que houvesse fome em Setúbal, depois de o bispo a ter denunciado. "Era evidente que Mário Soares e Cavaco Silva não gostavam das minhas intervenções. Eu falava do que sabia, da fome que o povo passava...", explicitou então.
A sua postura incómoda não se esgotou aí. Ainda em 2014, numa entrevista à SIC, sustentava que nem partidos políticos nem sindicatos estavam a defender como deviam os cidadãos. Em relação aos primeiros, acusou-os mesmo de só pensarem em si próprios e de agirem como grupos de futebol.
"Um homem de coragem e de causas", recorda ainda o arcebispo de Braga, ouvido pela Renascença. "Alguém que tinha voz e queria dar voz a quem não tinha força para a ter." "Foi uma consciência crítica da Igreja em relação à justiça social, o que mais se interessou pelos trabalhadores", sintetiza ao PÚBLICO o teólogo Anselmo Borges, sobre alguém que diz também ter sido muito marcado pela figura de D. António Ferreira Gomes, o bispo do Porto que esteve exilado durante dez anos por ter contestado abertamente a acção de Oliveira Salazar. "Um bispo próximo à realidade do povo da sua diocese que na altura se debatia com uma situação de precariedade e de pobreza", segundo o bispo auxiliar de Lisboa, D. Joaquim Mendes.
No início do ano, num almoço de homenagem pelos 90 anos de D. Manuel Martins, o antigo presidente da República, Ramalho Eanes, elogiava-lhe, ainda sem precisar de recorrer ao pretérito perfeito, o seu "carácter de eleição que impressiona, arrasta e seduz". "Chamaram a D. Manuel Martins o bispo vermelho. Como exemplo da sua acção: a praga do desemprego, a ofensa dos salários em atraso, o flagelo das barracas, a vergonha do trabalho infantil...", enumerava então Ramalho Eanes.
Fonte: aqui
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