Leituras: aqui
A
síndrome de Jonas ou o sinal de Jonas
1. Hoje apetece-me voltar à história
de Jonas. É a personagem de um livro, de três páginas apenas, numa espécie de parábola
dramatizada, em quatro capítulos. Um belo conto marinho ou novela antiga. O
argumento pode resumir-se assim: Deus confia a Jonas a missão de pregar a conversão
em Nínive, capital da Assíria, a grande cidade, que era vista pelos judeus como
símbolo por excelência do povo inimigo. E Jonas embarca no porto de Jafa,
fugindo à missão impossível que Deus
lhe confiara. Era como ir a Berlim em 1936 dizer aos nazis para se
arrependerem! E parte, em sentido oposto, lá para o fim do mundo, para Társis,
que ficaria ali pela Andaluzia, na vizinha Espanha. Na viagem, uma tempestade atinge
o barco e os marinheiros acham que é Jonas quem lhes está a dar má sorte. Não
têm mais: lançam-no ao mar. Engolido por um peixe, dentro do qual passará três
dias, é largado em Nínive, onde cumpre a missão de anunciar a conversão, como
caminho de salvação. E o mais improvável acontece. A cidade, do rei aos
súbditos, aproveita a oportunidade e converte-se. Jonas fica arreliado, maldisposto,
com o sucesso da sua pregação, porque tudo lhe sai ao contrário do programa que
tinha na cabeça. Como é possível Deus amar e perdoar esta gente? Como pode esta
gente, a seus olhos, má e terrível, acreditar na Sua Palavra? A grande cidade
deixa Jonas deprimido. Será ele agora quem mais precisará de conversão.
2. Esta história bíblica está cheia de
ironia e de sabedoria, sobretudo quando pensamos hoje na evangelização das
grandes cidades, das culturas urbanas, dos meios tradicionais marcados por indiferentismo religioso e por certo medo de afirmação cristã, ou daqueles meios e ambientes, onde o
anúncio do Evangelho nos parece condenado ao fracasso. Tal como Jonas, temos
medo de enfrentar a grande cidade ou de começar, como Jesus, “pela Galileia dos pagãos”. Gostamos mais
de pescar no nosso aquário, propondo o Evangelho àqueles que nos parecem
recetivos ou simpáticos. E não nos damos conta de que, mesmo naqueles ambientes
mais difíceis, Deus está lá, na busca e na luta diária por uma vida melhor. E
não é preciso sequer inventar essa presença de Deus. Bastará ajudar a
desvelá-la, pô-la a descoberto. Na história da vida das pessoas há tantos
sinais de um Deus que não desaparece do mapa da vida de ninguém, nem sequer da
vida de uma grande cidade.
3. Precisamos de vencer a síndrome de
Jonas, o preconceito em relação aos que nos parecem não querer nada de Deus,
do Evangelho, da Igreja. Temos demasiados respeitos humanos e infundados medos
e, por isso, procuramos, como Jonas, fugir à missão, que temos por impossível,
dando os outros como perdidos! A síndrome de Jonas manifesta-se na tentação de
cumprir apenas as nossas obrigações religiosas, evitando sair para as
periferias, a anunciar a Boa Nova!
4. Vençamos, pois, a síndrome de
Jonas, saindo ao encontro das pessoas, para lhes levar a feliz notícia de que
está próximo delas o Reino de Deus, de que Deus está nas encruzilhadas das suas
vidas, nas suas casas, ruas e praças! Sair para encontrar as pessoas, para as ouvir, para as
abençoar, para dialogar e caminhar com elas. Há que ir e sair por aí a chamar,
como Jesus, um a um: o irmão em casa; o colega na escola; o amigo no emprego; o
companheiro do café. Sair a anunciar, pessoa a pessoa, olhos nos olhos, coração
a coração, o amor de Deus por cada um.
5. E escolhamos então o sinal de
Jonas, de que falará Jesus (cf. Mt
12,40; Lc 11,30), que é o sinal da
misericórdia, do triunfo do amor de Deus, que Se manifestará três dias depois, na
manhã da Ressurreição. Dêmos testemunho da misericórdia e da compaixão de Deus por cada um, sobretudo
junto dos pobres mais pobres, daqueles a quem falta o pão ou daqueles que,
tendo o pão necessário, lhes falta descobrir a riqueza de Deus, nos anseios do
seu coração. Irmãos e irmãs: aprendamos o amor na Palavra do Senhor! Partamos e façamos nós da mesma maneira que Jonas.
Amaro Gonçalo (com alterações)
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