domingo, 30 de março de 2014

Fazer jejum ainda tem sentido?

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Não comer carne às sextas-feiras. Fazer apenas uma refeição completa na Quarta-feira de Cinzas. Essas práticas ainda existem? Mas qual é valor e o sentido de se abrir mão de algo que seria bom e útil para o nosso sustento?

O jejum – decisão temporária de não comer nada ou comer menos que o habitual – é praticado não só por motivos religiosos. É considerado pela Igreja um exercício de conversão a Deus. Fortalece o espírito e ensina que o sentido da vida não consiste apenas na satisfação dos desejos ou na busca de bens.

Em termos gerais, jejum significa não comer nada, ou comer menos que o habitual. Trata-se de uma prática comum na sociedade, seja por razões religiosas ou não. Há pessoas que fazem greve de fome por motivos políticos. Já outras mantêm rígida dieta alimentar por razões estéticas. Na Igreja católica, o jejum insere-se no contexto das práticas penitenciais, que são exercícios de conversão a Deus.

O jejum não é algo desconhecido ou rejeitado pela cultura moderna. Na história recente, ficaram famosos os jejuns praticados por Mahatma Gandhi (1869-1948). O líder político indiano jejuou em diferentes ocasiões – em algumas delas por até 21 dias – como forma de protesto contra a colonização britânica.
Além do âmbito político, onde se utiliza o termo “greve de fome”, o jejum é praticado em questões de saúde, como no caso de pessoas que não ingerem uma série de alimentos por prescrição médica. Há também o motivo estético, na busca por uma melhor aparência. E não se pode esquecer do jejum imposto pela necessidade, em situações de fome e miséria.
Na Igreja católica, o jejum é uma prática penitencial. Mas o que é a penitência? É a virtude cristã que inspira o arrependimento pelos pecados. Em sentido mais amplo, a penitência é “uma reorientação radical de toda a vida, um retorno, uma conversão para Deus de todo o nosso coração” (Catecismo da Igreja Católica – CIC –, 1431).
Trata-se de um desejo de mudar de vida, “com a esperança da misericórdia divina e a confiança na ajuda de sua graça”. Esta conversão interior vem acompanhada daquilo que os Padres da Igreja – grandes homens dos inícios da Igreja, aproximadamente do século II ao VII – chamavam de “compunctio cordis”, ou seja “arrependimento do coração” (CIC, 1431).
Nesse sentido, uma das expressões mais tradicionais da penitência cristã é justamente o jejum – ao lado da oração e da esmola –. Sendo assim, o jejum não se reduz apenas à questão alimentar. Jejuar é “privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos e de outros bens materiais”, explica o Papa Bento XVI na mensagem para a Quaresma de 2009.
A Igreja estabelece como dia de penitência toda sexta-feira. Já a Quaresma, que constitui um caminho de treino espiritual mais intenso em preparação para a Páscoa, é considerada tempo de penitência. Trata-se de ocasiões especiais para jejuar, dedicar-se à oração e exercitar obras de piedade e de caridade.
A Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa são os dias prescritos para o jejum e a abstinência – não comer carne.
Outro jejum indicado pela Igreja é o eucarístico. Quem vai receber a eucaristia deve se abster, pelo espaço de ao menos uma hora antes da comunhão, de qualquer comida ou bebida, exceto água ou remédios (Código de Direito Canônico, 919 § 1).
A Bíblia e a tradição cristã ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado e tudo o que a ele induz. Por isso, na história da salvação, é frequente o convite a jejuar. O primeiro jejum foi ordenado a Adão: não comer o fruto proibido. Segundo as Escrituras, Moisés, Esdras, Elias, os habitantes de Ninive jejaram.
Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura, Deus ordena que o homem não coma o fruto proibido: “Podes comer o fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás” (Gn 2, 16-17).
“Comentando a ordem divina, São Basílio observa que ‘o jejum foi ordenado no Paraíso’, e ‘o primeiro mandamento neste sentido foi dado a Adão’ (cf. Sermo de jejunio: PG 31, 163, 98)”, explica o Papa Bento XVI (mensagem para a Quaresma de 2009). Tendo em vista que o homem está ferido pelo pecado e suas consequências, o jejum é proposto “como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor”.
Por exemplo, Esdras, antes da viagem de regresso do exílio à Terra Prometida, convidou o povo reunido a jejuar “para nos humilhar diante do nosso Deus” (8, 21). Já os habitantes de Ninive, sensíveis ao apelo de Jonas ao arrependimento, proclamaram um jejum dizendo: “Quem sabe se Deus não Se arrependerá, e acalmará o ardor da Sua ira, de modo que não pereçamos?” (3, 9).
O livro do Êxodo (34, 20-28) narra que Moisés esteve na presença do Senhor, em jejum, antes de receber os mandamentos, esculpi-los em tábuas de pedra e levá-los ao povo. Já o livro de Reis (I Re 19, 8) fala do jejum de Elias, quando o profeta caminhou 40 dias para ir encontrar o Senhor no monte Horeb.
Os Evangelhos de Lucas e Mateus narram que Jesus jejuou durante 40 dias, antes de iniciar seu missão pública. Ele “também nos animou a jejuar, no sermão da montanha, ao dizer estas palavras: ‘Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os outros não vejam que estás jejuando, mas somente teu Pai, que está no escondido. E o teu Pai, que vê no escondido, te dará a recompensa’”, explica o padre John Flader, autor do livro “Question time: 140 questions and answers on the catholic faith".
A prática do jejum também se encontra muito presente na primeira comunidade cristã (“jejuaram então e oraram” – At 13, 3; “nos recomendamos em (...) jejuns” – 2 Cor 6, 5). “Também os Padres da Igreja falam da força do jejum, capaz de impedir o pecado, de reprimir os desejos do ‘velho Adão’, e de abrir no coração do crente o caminho para Deus” (mensagem de Bento XVI para a Quaresma de 2009).
O jejum busca, em primeiro lugar, responder ao convite a ser discípulos de Jesus. É um ato que manifesta reverência a Deus, exercita a fortaleza e a temperança, motivando ao autodomínio e liberdade interior. É também um ato de solidariedade.
Jejuar – explica o padre John Flader – “é um bom modo de responder ao convite de Jesus: ‘Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me’” (Mt 16, 24).
No tempo de Jesus, o jejum obrigatório acontecia uma vez por ano, no dia do “Yom Kippur”, o “Grande Dia da Expiação”.
Os Evangelhos têm três versões sobre o jejum de Jesus – explica o padre José Knob, SCJ, professor da Faculdade Dehoniana, em Taubaté, São Paulo –.
Segundo o Evangelho de Marcos, Jesus não jejuou. O evangelista fala que os anjos o serviram durante os 40 dias no deserto, período de retiro que antecedeu ao seu ministério público.
Já Lucas e Mateus falam de jejum. Esses dois evangelistas falam do jejum de Jesus como preparação para a vida apostólica, isto é, como forma de fortalecer o espírito para a missão.
Segundo o sacerdote, um dos grandes benefícios do jejum é sua própria pedagogia. “É um exercício de se abster de coisas em si lícitas, fortalecendo assim o espírito, para, no momento em que aparecer uma tentação do ilícito, a gente esteja forte”, explica o padre José Knob.
“No fundo, o jejum é isso. Não é que o sofrimento agrade a Deus. Trata-se de algo pedagógico. É fortalecer o espírito. E esse valor não se perde, pois a pessoa fica mais forte para resistir ao mal.”
Já o padre John Flader cita, entre os benefícios do jejum, a manifestação de reverência a Deus, “ao devolver-lhe parte da criação que nos confiou”. Também “põe em exercício as virtudes da fortaleza e da temperança, ao negar-nos no que seria um alimento, uma bebida ou outro prazer legítimo, para adquirir assim maior auto-domínio e liberdade de coração”.
Segundo o sacerdote, isso é particularmente importante na sociedade de hoje, onde as pessoas podem se converter em presas do consumismo, ao adotar uma mentalidade muito indulgente, “que nos leve a comer ou beber ao nosso capricho, frequentemente em prejuízo da nossa saúde corporal e espiritual”.
Padre Flader explica ainda que o jejum pode ser proposto como reparação pelos pecados. Pode também ser oferecido pelos outros, para, por exemplo, que voltem à prática da fé, recuperem-se de uma enfermidade, decidam se casar na Igreja, encontrem um trabalho.
Uma outra característica é que o jejum deve ser feito em espírito de solidariedade com as pessoas que têm de jejuar à força, porque não têm o que comer. “Quem sente fome por algum momento, tende a se solidarizar com aqueles que não têm alimento suficiente e passa a imaginar a situação dessas pessoas”. Nesse sentido, “o jejum humaniza”, afirma o padre José Knob.
Assim, não faltam razões para jejuar. Mas o jejum deve sempre vir acompanhado de outros atos de virtude, de modo particular a caridade.
Retirado daqui

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