A Cananeia
A primeira leitura descreve o ambiente de Jerusalém após o regresso da Babilónia. O povo de Deus enfrenta uma época nada fácil. Os retornados estão desiludidos, pois a tarefa da reconstrução apresenta-se demorada e difícil. O país está arruinado, as cidades destruídas e desabitadas, os campos incultos e abandonados. Os ricos bem depressa começam a oprimir os pobres e a esmagar os humildes. Quanto à religião há uma recusa de Deus e dos seus planos e o recurso a práticas totalmente pagãs.
A essa comunidade desiludida e decepcionada, o profeta anuncia que está para chegar um tempo novo. Deus vai oferecer a Sua salvação a todos os povos, há uma clara viragem na fé de Israel, uma certa abertura à universalidade. Grande revolução no universo religioso do Povo de Deus.
Nos nossos tempos, por um lado, o intercâmbio de ideias, de experiências, de notícias, o contacto fácil, rápido e directo com qualquer pessoa, em qualquer canto do mundo, contribuem para nos abrir horizontes, para nos ensinar o respeito pela diferença, para nos fazer descobrir a riqueza de cada povo e de cada cultura… Por outro lado, o egoísmo, a auto-suficiência, o medo dos conflitos sociais, o sentimento de que um determinado estilo de vida pode estar ameaçado, provocam o racismo e a xenofobia e levam-nos a fechar as portas àqueles que querem cruzar as nossas fronteiras à procura de melhores condições de vida… A Igreja é a comunidade do Povo de Deus. Todos os seus membros são filhos do mesmo Deus e irmãos em Jesus, embora pertençam a raças diferentes, a culturas diferentes e a extractos sociais diferentes. Nisto toda a mensagem bíblica nos ensina que Deus não faz acepção de pessoas. A salvação é para todos.
Na segunda leitura tirada de São Paulo podemos concluir o seguinte, a recusa de Israel fez com que o Evangelho fosse proposto aos gentios. Por isso, podemos dizer, há males que vêm por bem; Deus escreve direito por linhas tortas…
Os gentios, que antes estavam longe de Deus, agora tiveram acesso à sua graça; e os judeus, que agora se afastaram dos dons de Deus, hão-de também alcançar a graça. Parece enquadrar-se tudo no projecto salvífico de um Deus que permitiu que todos sejam rebeldes, a fim de sobre todos deixar cair a sua misericórdia. A misericórdia de Deus não abandona nenhum dos seus filhos. Este texto – implicitamente – convida a não nos arvorarmos em juízes dos nossos irmãos. Por um lado, porque o comportamento tolerante de Deus nos convida a uma tolerância semelhante; por outro, porque aquilo que nos parece estranho e reprovável pode fazer parte, em última análise, dos projectos de Deus.
No Evangelho, Jesus em ruptura com os fariseus e os doutores da Lei, “retirou-Se dali e foi para os lados de Tiro e de Sídon”. A recusa de Israel em acolher a proposta do Reino vai fazer com que a pregação de Jesus se dirija para fora das fronteiras de Israel.
Uma mulher fenícia (estrangeira, inimiga, oriunda de uma região com má fama e, ainda por cima, “mulher”) merecerá a graça da salvação?
Não admira, portanto, que os fariseus e doutores da Lei, defensores intransigentes da Lei e da pureza da fé, considerassem os habitantes dessa zona como “cães” (designação que, para os judeus, tinha um sentido altamente pejorativo).O apelo da mulher fenícia vai no sentido de que ela possa, também, ter acesso a essa salvação que Jesus veio propor.
No final de toda esta caminhada de afirmação da “bondade” e do “merecimento” desses pagãos que a teologia oficial de Israel desprezava, Jesus conclui: “Mulher, grande é a tua fé. Faça-se como desejas”.
O que é determinante, para integrar a comunidade do Reino, não é a raça, a cor da pele, o local de nascimento, a tradição familiar, a formação académica, a capacidade intelectual, a visibilidade social, o cumprimento de ritos, a recepção de sacramentos, a amizade com o pároco, os serviços prestados à “fábrica da igreja”, mas a fé (entendida como adesão a Jesus e à sua proposta de salvação).
O exemplo da mulher cananeia leva-nos a pensar, por contraste, nesses “fariseus e doutores da Lei” que rejeitam a oferta de salvação que Deus lhes faz, em Jesus. Estão cheios de certezas, de convicções firmes, de preconceitos; mas não têm o coração aberto aos desafios que Deus lhes faz… Conhecem bem a Palavra de Deus, têm ideias definidas acerca do que Deus quer ou não quer, são orgulhosos e auto-suficientes porque se consideram um povo santo, eleito de Deus, mas não têm esse coração humilde e simples para acolher a novidade de Deus…
Teoricamente, ninguém põe em causa que a Igreja nascida de Jesus seja uma comunidade aberta a todos os homens e mulheres, de todas as raças, culturas, classes sociais, quadrantes políticos…
Os homens e as mulheres, os casados e os divorciados, os pobres e os ricos, os instruídos e os analfabetos, os conhecidos e os desconhecidos, os bons e os maus, os novos e os velhos, todos são acolhidos na comunidade cristã sem discriminação e todos são convidados a pôr a render, para benefício dos irmãos, os talentos que Deus lhes deu?
Evangelho sugere uma reflexão sobre a forma como acolhemos o estrangeiro, o irmão diferente, o “outro” que, por razões políticas, económicas, sociais, laborais, culturais, turísticas, vem ao nosso encontro. Se Deus não discrimina ninguém, mas aceita acolher à sua mesa todos os homens e mulheres, sem distinção, porque não havemos de proceder da mesma forma?
Resumo dos comentários do Portal dos Dehonianos…
Fonte: aqui
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