A oração sem força e a força da oração
O tema fundamental que a liturgia nos convida a reflectir, neste domingo, é o tema da oração. Ao colocar diante dos nossos olhos os exemplos de Abraão e de Jesus, a Palavra de Deus mostra-nos a importância da oração e ensina-nos a atitude que os crentes devem assumir no seu diálogo com Deus. Eis, então uma breve reflexão sobre o tema da oração.
A oração tem um poder espiritual muito forte em todos aqueles que acreditam ou alimentam a sua fé e a sua esperança nesse alimento eficaz de transformação das misérias humanas em caminhos de sentido. A oração transforma e liberta da opressão interior do sofrimento e pode dar valor ao sem valor. O sem sentido da existência encontra, por vezes, razões para o coração que as mentes, alimentadas apenas e exclusivamente pela frieza do pensamento, não vêm nem podem ver essa luz forte que brilha da força da oração.
Não existem orações estereotipadas, porque essa expressão emana do coração de cada um. A oração não se verga a esta ou àquela maneira de rezar, a este ou aquele conteúdo de oração. Cada crente expressa esse sentir como sabe e pode ou sente e deseja. A ninguém é lícito definir as formas de rezar e os conteúdos da oração.
Em primeiro lugar a oração serve para despojar e elevar para outros domínios (a realidade transcendente/divina) quem acredita nessa forma de se expressar. A seguir, a oração serve para alimentar o coração de quem a faz. Se a oração cair em formas mágicas de invocação do divino levam irremediavelmente ao seu descrédito e à revolta interior do orante. É o desencanto.
Sabemos que os caminhos de Deus são insondáveis para o homem e os seus desígnios são quase sempre contrários aos dos homens. Por conseguinte, se a oração não estiver esclarecida, a frustração pode ser inevitável. A força da oração reforça os crentes e segura-os na esperança e no sentido da dor e do sofrimento, embora, sabendo que as rupturas da vida sejam inevitáveis.
Por vezes, saem tortas as pretensões daqueles que rezaram muito para que qualquer coisa não suceda, porém, aconteceu não como se esperava. A sensação de desencanto e o descrédito em relação à oração surge como consequência óbvia. Quando tal acontece a oração está desvirtuada e o esclarecimento sobre ela não está feito. Será, então, preciso entender que a força da oração é antes para quem a faz e não para o fim que pretendemos: para Deus ou para os desejos que queremos que se realizem a partir de Deus.
Quero dizer, que não existe lugar para a magia e para a bruxaria na oração. Ela é sempre um caminho que eleva as almas para o domínio de Deus. Daí, que fazer da oração um acordo ou um negócio de permutas não faz sentido e perverte sempre o caminho do orante e o conteúdo da própria oração.
Pensar que Deus concede isto ou aquilo porque se reza ou não reza, é um pensar errado sobre Deus e sobre a sua acção. Deus age mesmo antes de lhe pedirmos e concede a sua graça sempre que a invocarmos ou não. A sua misericórdia é muito maior que o nosso pensar e as nossas palavras.
Não será perverso dizer que Deus não deseja o sofrimento dos seus filhos, fica bem pensarmos que toda a realidade limitada do homem encontra redenção e salvação no coração imenso de Deus. Neste sentido, aquela realidade limite que aos nossos olhos está incontornavelmente perdida - muito antes do fim e do nada segundo o nosso modo de ver - já entrou no mais íntimo de Deus e aí encontrou a alegria da libertação.
Às vezes admira e surpreende que aqueles que acreditam verdadeiramente na acção de Deus, perante o sofrimento e a morte revelam uma serenidade, uma paz e uma alegria interior tão intensas que nem o desespero e as lágrimas dos outros os vergam ao fundo da existência (o choro e a tristeza). Sabem e confiam que Deus já revelou o seu rosto de luz sobre aquele caminho menos bom da nossa condição.
Como falamos de oração lembro-me daquela intensa oração de Pedro Paixão que nos dá neste essencial livrinho que leio neste momento “muito meu amor” das edições Livros Cotovia. Fica esta oração como exemplo de como alguém reza e fica também como chamada de atenção para aqueles que entendem que oração não tem força ou ainda para aqueles que consideram a oração um rol de chavões estereotipados.
O autor referido escreve assim: “Viver todos os dias cansa” - é o título da oração. Depois, continua a sua invocação: “Meu deus, livra-me de mim. Pai, continua a ser o nosso pai. Faz com que a nossa vida seja o sinal de outra vida. Ajuda-nos a aceitar, na incerteza destes dias que parecendo ser tudo-nada são, o que chega e o que vai. Não nos deixes desesperar mais do que o necessário para continuarmos despertos e para que depois possamos descansar na tua paz. Continua a mostrar-te sem nunca te vermos porque não somos dignos da tua presença e enorme é a nossa aflição. Fizeste-nos à tua imagem e sem ti enlouquecemos. Quiseste que só te encontrássemos com a alma e perdemo-nos com os olhos da distracção. Acompanha o meu filho e os filhos de todos os outros, por mais que se percam que te possam de novo encontrar. Perdoa-nos as palavras injustas, a insensatez dos nossos actos, a grande ignorância que se esconde na nossa vaidade. Ajuda-nos a ser fiéis ao que prometemos, assusta-nos quando levianamente trocamos o que importa pelo que não tem importância, castiga-nos quando julgamos que sozinhos conseguimos fazer o que quer que seja. Somos feitos de ossos, pele e carne. E de uma parte divina que quer voltar a ti, nosso pai.” - Assim termina o seu magnífico livrinho.
Faço minhas as palavras orantes do autor e rezo com ele por todos os que certeiramente continuam a procurar na força da oração alimento para os passos tortos da vida. Tudo se torna diferente na vida se bebermos o vinho novo dos cachos belos da vinha de Deus.
José Luís Rodrigues, http://jlrodrigues.blogspot.com/
sábado, 24 de julho de 2010
17º DOMINGO DO TEMPO COMUM - Ano C
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