sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Carta Pastoral do nosso Bispo



ANUNCIAR O EVANGELHO É A VOCAÇÃO PRÓPRIA DA IGREJA
«Vós, que outrora não éreis povo (laós), mas que agora sois povo de Deus (laòs theoû)» (1 Pedro 2,10).

«Aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo» (Concílio II do Vaticano, Constituição Dogmática Lumen Gentium, n.º 9).

«Anunciar o Evangelho constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda. A Igreja existe para Evangelizar» (PAULO VI, Evangelii nuntiandi [1975], n.º 14).

«Coloquemos a missão de Jesus no nosso coração, no coração da nossa família [paroquial e diocesana], e façamos da missão o critério para medir a eficácia das nossas estruturas, os resultados dos nossos trabalhos, a fecundidade dos nossos ministros e a alegria que somos capazes de suscitar» (Cardeal Filoni, 2018). 

Três anos com a Igreja no coração

1. As energias pastorais da nossa Diocese de Lamego serão orientadas, nos próximos três anos pastorais, para a revitalização do nosso amor à Igreja, nossa Mãe, que está em Lamego, sabendo nós bem que a Igreja que está em Lamego é Igreja de Deus no seu todo, e não apenas uma parte. No decurso do ano pastoral em que estamos agora a entrar (2018-2019), cuidaremos sobretudo as valências vocacional e missionária, ou seja, iremos ter mais a peito o rosto e o jeito da Igreja chamada e enviada em missão. Mas nos dois anos pastorais seguintes, continuaremos a dedicar a nossa melhor atenção à Igreja, nossa Mãe. Assim, no ano pastoral 2019-2020, ocupar-nos-emos sobretudo com o aspeto sinodal da nossa Igreja, que é uma Igreja em caminho e em comunhão, em que todos caminhamos lado-a-lado, para, no ano pastoral 2020-2021, nos ocuparmos sobretudo com a identidade da Igreja, o que nos levará a ter de encontrar boas respostas, não tanto para a questão «o que é a Igreja?», mas sobretudo para a questão «quem é a Igreja?». São três anos em que peço a todos os diocesanos o máximo empenho e dedicação. Muito brio é necessário. Muito amor também. A Igreja, nossa Mãe, merece toda a nossa atenção e carinho. 

A Igreja é de Deus

2. Na linguagem do Novo Testamento, o termo grego para dizer «Igreja» é ekklêsía, que deriva de ekkaléô, composto pela preposição ek [= fora de] e pelo verbo kaléô [= chamar], impondo-se assim o significado de chamar desde fora e para fora e para o alto, sendo a ação de chamar obra de Deus, o que faz da Igreja a comunidade-mãe dos «chamados» ou «convocados» por Deus a saírem de si, da sua autorreferencialidade, para formarem um povo novo, um povo santo, pertença de Deus, família dos filhos de Deus, sempre chamados, acompanhados e conduzidos por Deus. Igreja amada de Lamego, levanta-te, toma consciência, ganha ânimo e alegra-te! A tua história e a tua vida estão na mão de Deus, como te lembra Isaías: «Chamei-te pelo teu nome: tu és meu!» (Isaías 43,1). 

3. Este sentido forte de pertença exclusiva e amorosa a Deus está bem patente no «genitivo de posse», configurado na expressão grega ekklêsía toû theoû [= Igreja de Deus], que as duas Cartas aos Coríntios exibem logo a abrir, no endereço (1 Coríntios 1,2; 2 Coríntios 1,1), mas que se pode ver também em outros lugares (1 Coríntios 10,32; 11,22; 15,9; Gálatas 1,13), e que representa como que um agrafo que vincula a Igreja a Deus. Portanto, a Igreja é de Deus. Não é um agrupamento qualquer, nem responde a um chamamento qualquer. Por isso, a Carta aos Romanos registra o belo nome de «chamados» (klêtoí), dado aos cristãos de Roma (Romanos 1,7), no seguimento de Paulo, que se assume também como «chamado» (klêtós) (Romanos 1,1; 1 Coríntios 1,1), título grande que reaparece como marca que identifica os cristãos na Primeira Carta aos Coríntios 1,2. Esta maneira de ver e de dizer responde ao chamamento ou à chamada (klêsis) de Deus, e evoca a «eleição» (eklogê) de Deus (1 Tessalonicenses 1,4) e os «eleitos de Deus» (eklektoí theoû) (Romanos 8,33), e é um eco do hebraico qahal, nome que, desde o Antigo Testamento, se dá à assembleia do povo de Deus, convocado e reunido por Deus à volta do seu amor e da sua palavra, Israel de Deus, que anda nos caminhos de Deus, conduzido e acompanhado por Deus, desde o deserto à Terra Prometida, durante e depois. 

Igreja de Deus, povo de Deus, vive de Deus, vai com Deus

4. Claramente: esta «eleição» (eklogê) designa, em outras culturas, as escolhas que o homem faz acerca do rumo a dar à sua vida. O termo é desconhecido no grego dos LXX, e 1 Tessalonicenses 1,4 é a sua porta de entrada no mundo do Novo Testamento, podendo ainda ler-se em Atos 9,15; Romanos 9,11; 11,5.7.28; 2 Pedro 1,10, em que designa sempre uma ação de Deus, obra só de Deus, e assenta unicamente na fidelidade maternal de Deus, e não nos nossos méritos, raça, história, cultura; a comunidade que deriva dessa «eleição» não é, então, um grupo que nós tenhamos escolhido, formado, ou a que tenhamos aderido movidos por interesses, negócios ou objetivos comuns, mas o grupo dos escolhidos e chamados por Deus, que ouviram o seu nome amorosamente dito por Deus, e que responderam «sim» ao seu chamamento. Não se trata, portanto, de um chamamento qualquer, um entre muitos, como quando os nossos amigos assobiam ou gritam o nosso nome, quando nos veem a passar na rua. Trata-se aqui de um chamamento único, em que é Deus que diz o nosso nome, o meu e o teu, e nos vai reunindo, provenientes de todos os lugares, para de nós fazer o seu povo, o povo de Deus, «o Israel de Deus» (Gálatas 6,16), «povo de Deus» (laòs theoû), «que antes nem povo (laós) era» (1 Pedro 2,10). A expressão «povo de Deus», com todas as letras, encontra aqui a sua única menção em todo o Novo Testamento. E o próprio nome «povo» (laós), já desde o seu uso no grego dos LXX, não traduz um povo etnicamente determinado (isso seria éthnos), mas apenas o «povo» particular que Deus escolhe para si e no meio do qual habita e caminha. Soa assim o dizer de Paulo atualizando a antiga fórmula da Aliança: «Como disse Deus: “habitarei no meio deles e no meio deles caminharei, e serei o seu Deus, e eles serão o meu povo (laós)”» (2 Coríntios 6,16). É, a este propósito, exemplar e elucidativo o dizer de Moisés para Deus em Êxodo 33,13: «Teu povo (laós sou) é esta grande nação (tò éthnos tò méga toûto)». Igreja de Lamego, Igreja de Deus, povo de Deus, escuta bem, estremece de emoção, sente-te amada, chamada e reunida por Deus. Cheia de esperança, e com Deus no mundo (Efésios 2,12).

5. Em termos de estatística e distribuição, o nome grego ekklêsía (Igreja) encontra-se cerca de 100 vezes no texto grego dos LXX, e traduz, em todos os casos, o hebraico qahal. No texto grego do Novo Testamento encontra-se por 114 vezes. Aparece em claro destaque nas Cartas de S. Paulo, onde se faz ouvir por 62 vezes, e é o termo a que S. Paulo mais vezes recorre para se referir às comunidades que Jesus Cristo colocou no seu caminho. Fora de S. Paulo, no Novo Testamento, o nome ekklêsía conta mais 52 menções, destacando-se 23 ocorrências no Livro dos Atos dos Apóstolos e 20 no Apocalipse. Nos Evangelhos, só o Evangelho de Mateus o usa em dois lugares (Mateus 16,18; 18,17), sendo por isso que é chamado o «Evangelho da Igreja».

6. Esta maneira de ver a Igreja, trazendo para a cena o rico vocabulário da «assembleia convocada por Deus», do «chamamento», da «eleição», apresenta-se bela e fecunda sobretudo em três aspetos: primeiro, porque salienta o primado de Deus, a sua ação eletiva, portanto, primeira, soberana e livre; segundo, porque não se perde nos meandros da organização interna, mas dá todo o relevo ao chamamento de Deus e à nossa resposta a esse chamamento; terceiro, porque deixa ver a ideia muito bíblica de um caminho a percorrer, que é a história da salvação, por onde Deus conduz o seu povo querido. Neste sentido, a Igreja de Deus não é um episódio ou um conjunto de episódios ou eventos, mas um percurso. Apraz-me colocar aqui, em carne viva, neste contexto de enchente de chamamento de Deus e da nossa resposta, a realização da XV Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, que terá lugar em Roma, de 03 a 28 de outubro próximo, que se debruçará mais de perto sobre os jovens, e que terá por tema «Os jovens, a fé e o discernimento vocacional». Este tom vocacional põe, não apenas os jovens, mas toda a Igreja à escuta da Palavra de Deus, que largamente distribui os seus dons pelos seus filhos, de modo a que, todos unidos e reunidos, possamos tornar a Igreja mais bela e sempre pronta a exercer os serviços necessários para o bem de todos.

Nova evangelização

7. Importa ter tudo isto em conta, sobretudo quando olhamos à volta e verificamos que vivemos hoje num mundo em ritmo acelerado de paganização, que se faz ver em todos os palcos da sociedade, a começar pela família, pela escola e pelos mass-media, e que suga também, como se de um potente íman se tratasse, os que até agora se diziam cristãos e como tal viviam. Num contexto assim, a Igreja não pode nem deve continuar a lançar tranquilamente mão apenas dos métodos de transmissão da fé até agora em uso. É preciso e é urgente lançar, desde já, mãos e pés, inteligência, entranhas e coração a uma nova vaga de evangelização, para a qual são precisos novos evangelizadores.

8. Na verdade, à sociedade em que vivemos temos de saber oferecer uma evangelização non-stop, endereçada, personalizada e enamorada, que reclama a proximidade empenhada, comovida, rezada, testemunhal, afetuosa e maternal de novos atores da vivência e da transmissão da fé, da esperança e da caridade que há em Cristo Jesus, e que brota do «amor fontal» de Deus Pai (Ad gentes, n.º 2). Numa sociedade assim, recorda bem S. João Paulo II, temos de nos comprometer com o essencial do anúncio do Evangelho, que será sempre: «o homem é amado por Deus, e este é o mais simples e o mais comovente anúncio de que a Igreja é devedora ao Homem» (Christifideles laici [1988], n.º 34). Por isso, S. Paulo ousa dizer: «Anunciar o Evangelho não é para mim um título de glória, mas uma necessidade que se me impõe desde fora. Ai de mim se não anunciar o Evangelho!» (1 Coríntios 9,16). E o Santo Papa Paulo VI, espraiando o seu olhar pelo estuário da Igreja saída do Concílio, é levado a traçar, desta maneira, o seu perfil evangelizador: «Anunciar o Evangelho constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda. A Igreja existe para Evangelizar» (Evangelii nuntiandi [1975], n.º 14). Mas o que é que significa verdadeiramente evangelizar, anunciar o Evangelho? Significará apenas dar a conhecer o Evangelho, uma vez que é só conhecendo-o, que o homem pode aceder ao amor com que Deus o ama? Ou significará dar a conhecer que em Jesus a existência humana é uma existência salva, habitada pelo Sentido, que não depende do conhecimento, mas que é anterior ao conhecimento, do mesmo modo que a existência do sol é anterior e independente do conhecimento da sua existência? Sim, tudo começa no anúncio de que Jesus é o único salvador, e é só nele que temos a salvação, que é o verdadeiro Sentido da vida (cf. Atos 2,23-24.32.36; 3,15-16; 4,10; 5,30-31; 10,39-40; 13,28-30; 17,31; 25,19). Sim, esta é a notícia, o anúncio necessário da vitória. É provável que a seguir nos peçam o relato.

A missão como critério

9. «Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo», eis o tema forte que o Papa Francisco propôs para a celebração e vivência do «Outubro Missionário Extraordinário» de 2019, que marcará o centenário da Carta Apostólica Maximum illud, do Papa Bento XV, que traz a data de 30 de novembro de 1919, e que apelava então à «propagação da fé católica no mundo inteiro». Com data de 22 de outubro de 2017, Dia Mundial das Missões, em Carta enviada ao Cardeal Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, o Papa Francisco incumbia-o da preparação deste «Outubro Missionário Extraordinário» de 2019, expressando no final da Carta o seu desejo intenso, que o é também para toda a Igreja: «Que se desperte em nós, e que jamais nos seja roubado, o entusiasmo missionário». Adaptando palavras certeiras já entretanto expressas pelo Cardeal Filoni, registo aqui também o meu firme desejo: Igreja de Lamego, é tempo de reavivar o ardor e a paixão pela missão de Jesus, para que este ano pastoral possa ajudar-nos a colocar a missão de Jesus no nosso coração, no coração da nossa família paroquial e diocesana, fazendo da missão o critério para medir a eficácia das nossas estruturas, os resultados dos nossos trabalhos, a fecundidade dos nossos ministros e a alegria que somos capazes de suscitar. 

Com os olhos em S. Paulo

10. Apoiando a iniciativa clarividente do Papa Francisco, a Conferência Episcopal Portuguesa achou por bem alargar o mapa e o calendário missionário ao inteiro ano pastoral de 2018-2019 (outubro a outubro). E a Diocese de Lamego alegra-se com a iniciativa do Papa e subscreve a ideia e ação de fazer do ano pastoral em curso um ano verdadeiramente missionário. Este colorido missionário não se desvia nem foge, de resto, ao desiderato já entretanto formulado nos Conselhos Diocesanos de dedicarmos os próximos três anos à vida da Igreja e em Igreja e de colocarmos o próximo ano pastoral, que é o primeiro dos três, sob a égide da Igreja carinhosamente olhada pelo seu ângulo vocacional. Ora, o Santo Papa Paulo VI, que será canonizado em 14 de outubro próximo, vem dizer-nos, numa síntese admirável, que «Anunciar o Evangelho é a vocação própria da Igreja» (Evangelii nuntiandi, n.º 14). Portanto, Igreja, vocação da Igreja e anúncio do Evangelho são linhas perfeitamente entrelaçadas, que não conseguimos destrinçar. E lembra-nos ainda o Santo Papa Paulo VI que, no que respeita ao anúncio do Evangelho, a maneira de fazer de S. Paulo será sempre modelar: por isso, o proclamou «modelo de cada evangelizador» (Evangelii nuntiandi, n.º 79), tendo-o Bento XVI apresentado, na sua Mensagem para o 45.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações (2008), como «o maior missionário de todos os tempos». S. Paulo é, portanto, exemplo sempre a seguir por nós. E a maneira de fazer de S. Paulo é-nos felizmente conhecida, dado que ele a deixou registada na Primeira Carta que escreveu à Comunidade Cristã de Tessalónica, que ele tinha acabado de evangelizar. Toda a atenção, portanto, para esta página soberba, que devíamos trazer sempre gravada nos olhos e no coração: 

«2,7bTornámo-nos CRIANÇAS no meio de vós, COMO UMA MÃE que acalenta os próprios filhos. 8Assim, cheios de afeição por vós, bem queríamos dar-vos, não apenas o evangelho de Deus, mas também a nossa própria vida, pois tornastes-vos queridos para nós. 9Recordais-vos, de facto, irmãos, da nossa fadiga e do nosso esforço, trabalhando de noite e de dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. Foi assim que vos PREGÁMOS o Evangelho de Deus. 10Vós sois testemunhas, e Deus também o é, de quão puro, justo e irrepreensível tem sido o nosso modo de proceder para convosco, os que acreditais.

11Como sabeis, como a cada um de vós, COMO UM PAI aos seus próprios filhos, 12exortando-vos e encorajando e confirmando, para que caminheis de modo digno de Deus, que vos está a chamar ao seu Reino e à sua glória» (1 Tessalonicenses 2,7b-12). 

11. É claro que levar por diante um trabalho tão intenso e personalizado requer e reclama uma rede de bons e sempre prontos Evangelizadores. Fixemos os olhos na quantidade, diversidade e qualidade de alguns cooperadores de S. Paulo, que o amor retirou do anonimato, e em que nem sequer são nomeados os mais significativos, como Timóteo, Tito e Silvano (ou Silas): 

«16,1Recomendo-vos Febe, nossa irmã, servidora da Igreja de Cêncreas, 2para que a recebais no Senhor, de modo digno dos santos, e a assistais em tudo o que de vós necessitar, pois também ela foi benfeitora de muitos, e até de mim próprio. 3Saudai Prisca (diminutivo: Priscila) e Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus, 4os quais, para salvar a minha vida, expuseram a sua cabeça; e não sou apenas eu que lhes estou agradecido, mas também todas as igrejas dos gentios. 5Saudai também a Igreja que se reúne em sua casa. Saudai o meu querido Epéneto, que constitui as primícias da Ásia para Cristo. 6Saudai Maria, que muito trabalhou por vós. 7Saudai Andrónico e Júnia, meus parentes e companheiros de prisão, que se distinguiram entre os apóstolos, e me precederam em Cristo. 8Saudai Ampliato, que me é muito querido no Senhor. 9Saudai Urbano, nosso cooperador em Cristo, e o meu querido Estáquio. 10Saudai Apeles, provado em Cristo. Saudai os da casa de Aristóbulo. 11Saudai Herodião, meu parente. Saudai os da casa de Narciso, que estão no Senhor. 12Saudai Trifena e Trifosa, que trabalharam no Senhor. Saudai a querida Pérside, que muito trabalhou no Senhor. 13Saudai Rufo, o eleito no Senhor, e sua mãe, que é também a minha. 14Saudai Assíncrito, Flegonte, Hermes, Pátrobas, Hermas, e os irmãos que estão com eles. 15Saudai Filólogo e Júlia, Nereu e sua irmã, e Olimpas, e todos os santos que estão com eles» (Romanos 16,1-15).

Renovar o tecido cristão e eclesial das paróquias e da diocese

12. Sem nunca pôr de parte esta intensa e multifacetada maneira de fazer, que podemos sempre consultar e verificar na agenda de missão de S. Paulo, podemos e devemos também considerar algumas aplicações dos tempos modernos. Trata-se de metodologias implicativas e diretas. Para usar a imagem da rede, não se trata tanto de trabalho em rede, mas de, passando o fio de mão em mão, unir as pessoas e construir a própria rede. Aí ficam algumas propostas, provocações e desafios. 

Movimento estudantil FOCUS

12.1. O movimento estudantil FOCUS [= Fellowship Of Catholic University Students], que reúne e mobiliza sobretudo estudantes universitários, mas que já se faze sentir também nos Colégios e Escolas. Cada equipa FOCUS começa com quatro elementos fidelizados e enamorados por Cristo, que são chamados a multiplicar-se exponencialmente. Provocação para os professores e alunos das nossas escolas, sobretudo no que concerne ao ensino e vivência da Religião e Moral Católica. Provocação também para os nossos catequistas e para as crianças e adolescentes que frequentam a catequese, e para quantos se preparam para o batismo e para o crisma. Na certeza de que o estilo de vida de Jesus é a melhor, mais bela e apaixonante maneira de viver, ninguém se deve retrair ou envergonhar de viver e de falar de Jesus, com Jesus, como Jesus. 
Escolas de Evangelização Santo André

12.2. As «Escolas de Evangelização Santo André». Estas escolas colhem a sua inspiração na figura do Apóstolo André que, tendo seguido Jesus e visto onde morava, foi logo buscar Pedro para o levar a Jesus (João 1,35-42). Vale a pena passar demoradamente os olhos por este texto ousado e delicioso:
«1,35No dia seguinte, João estava lá outra vez, de pé, com dois dos seus discípulos, 36e olhando dentro (emblépô) de Jesus, que passava, diz: “Eis o Cordeiro de Deus”. 37E ouviram-no os dois discípulos a falar (laléô), e seguiram Jesus. 38Tendo-se, então voltado, e tendo-os visto a segui-lo, diz-lhes: “Que procurais?”. Eles, então, disseram-lhe: “Rabí, que traduzido se diz Mestre, onde moras?”. 39Diz-lhes: “Vinde e vereis”. Foram, então, e viram onde morava, e com Ele permaneceram aquele dia. Era por volta da hora décima. 40André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham escutado João e que seguiram Jesus. 41Este encontra primeiro o seu irmão, Simão, e diz-lhe: “Encontrámos o Messias, que significa Cristo”. 42Conduziu-o a Jesus. Olhando dentro dele (emblépô), Jesus disse: “Tu és Simão, o filho de João! Serás chamado Cefas, que significa Pedro”» (João 1,35-42).

Por isso, «André, o primeiro chamado» (Prôtóklêtos Andréas), título que ainda hoje lhe dá a Tradição Oriental, foi logo chamar, «primeiro chamante», o seu irmão Simão, e trouxe-o de casa para a Casa, para Jesus.

Também em João 12, André aparece a fazer de ponte entre «uns gregos» e Jesus. É, de facto, notório que André parece ter uma especial vocação para levar as pessoas até Jesus. Fica a impressão que, sem a mão de André, não se chega a Jesus. Vejamos o texto:

«12,20Havia também alguns gregos entre os que tinham subido para adorar na festa. 21Então, estes aproximaram-se de Filipe, o de Betsaida da Galileia, e pediram-lhe, dizendo: “Senhor, nós queremos ver (ideîn) Jesus”. 22Vem Filipe, e diz a André; vem André e Filipe, e dizem a Jesus» (João 12,20-22).

A importância de André nestas ligações a Jesus parece evidente. Sem ele, não se chega a Jesus. Aí está uma figura especializada em conduzir outros a Jesus, em dar a conhecer quem é Jesus. Pois salta à vista que aqueles gregos, certamente “prosélitos” ou “tementes a Deus”, não queriam apenas ver a cor dos olhos de Jesus, mas, mais intensamente, queriam ver quem era Jesus, como sugere aquele verbo «ver» (ideîn), que indica identidade.

O símbolo destas escolas de seguidores de Jesus é a Cruz grega (X), Cruz de Santo André, que é também sinal de multiplicação.

Células Paroquiais de Evangelização

12.3. As «Células Paroquiais de Evangelização» têm a sua referência na comunidade bela, cujo retrato podemos contemplar em Atos 2,42-47: 

«2,42Eram perseverantes no ensino dos Apóstolos e na comunhão, na fração do pão e na oração. […] 44Todos os que acreditavam estavam no mesmo lugar e tinham tudo em comum. […] 46Dia após dia eram perseverantes unanimemente no Templo, e partiam o pão em cada casa, tomando o alimento com alegria grande e simplicidade de coração, 47louvando a Deus e tendo graça junto de todo o povo. E o Senhor acrescentava dia após dia o número dos que estavam a ser salvos» (Atos 2,42.44.46-47).

Trata-se, como se vê, de uma visita guiada à primeira Catedral da Igreja nascente, com ramificações em todas as casas e em todos os corações, bem assente em quatro colunas: o ensino dos Apóstolos (1), a comunhão fraterna (2), a fração do pão (3) e a oração (4). É visível que esta comunidade bela crescia, crescia, crescia, dia após dia, com o «crescente» que Deus nela introduzia. Era uma comunidade jovem, leve e bela, tão jovem, leve e bela, que as pessoas lutavam por entrar nela!

Recebendo e afinando este estilo de vida, também estas «Células de Evangelização», em ação na Paróquia, se vão multiplicando exponencialmente, do perto para o longe, começando por envolver familiares, amigos, vizinhos, classes profissionais.

Um vezes um = dois!

13. Estranha matemática. Em eclesiologia, «um mais um faz um», dado que cada Igreja particular manifesta toda a plenitude da Igreja de Deus, porque é Igreja de Deus no seu todo, e não apenas uma parte. Em missiologia, «um vezes um faz dois», pois o missionário que anuncia e entrega Jesus Cristo a outro, e vê nascer no outro a mesma paixão por Cristo, apercebe-se com alegria que, a partir dessa hora, passam a ser dois dedicados e empenhados na mesma missão.

O que acabámos de expor em ordem à renovação do tecido cristão e eclesial das nossas Paróquias, tornando-as mais dinâmicas através da participação de todos os seus membros, não é mais do que a tentativa de trazer para a pastoral a dinâmica da energia nuclear. A energia nuclear obtém-se pela fissura de um átomo bombardeado por um neutrão: é assim que o átomo se divide em dois. Por sua vez, as duas partículas subdividem-se, e, de duas, formam-se quatro, e assim se vão multiplicando de forma exponencial. Um cristão que acredita e não se envergonha do Evangelho contagiará inevitavelmente outro; e estes dois contagiarão outros dois. É assim que se difunde o Evangelho. De cristãos assim, há hoje uma necessidade imperiosa e urgente, e é-lhes oferecida uma oportunidade imensa: dar razão da esperança que os habita e os anima, com entusiasmo e alegria. Na condição secular do nosso tempo, não haverá profecia se não voltar a ser profética a vida do cristão comum. Num tempo em que a sociedade secular desconfia das Igrejas, e muitas vezes já não entende a sua linguagem, pode, no entanto, ser sacudida pelos gestos e pelas palavras de quem vive plenamente «nas atividades propriamente temporais […], em que os fiéis leigos ocupam o lugar mais importante» (Lumem gentium, n.º 36). O seu testemunho é fundamental, e não pode ser dispensado. Porque a missão não é propaganda e o testemunho não é dar nas vistas, mas viver uma vida verdadeira, plena, bela, de tal modo bela, que não poderia ser explicada se Cristo não tivesse sido morto e não tivesse verdadeiramente ressuscitado. 

14. Amados irmãos e irmãs, foi depositado nas nossas mãos este desafio imenso e intenso de transformarmos pela missão que Deus nos confia a nossa vida e a vida de todos os filhos e filhas de Deus, e nossos irmãos queridos, que se abrigam debaixo do céu que cobre a nossa Diocese de Lamego e cada uma das suas 223 Paróquias. Sinto que é preciso deixarmos renovar o nosso coração. É o primeiro passo para podermos renovar o tecido cristão e eclesial das nossas comunidades e da nossa Igreja. Para começarmos a tecer a rede, fazendo com que o fio da nossa vocação e missão passe por todas as mãos e congregue todos os corações, convoco todos os diocesanos da nossa Diocese de Lamego: sacerdotes, diáconos, consagrados, consagradas, fiéis leigos, pais, mães, avôs, avós, famílias, jovens, crianças, catequistas, acólitos, leitores, agentes envolvidos na pastoral, membros dos movimentos de Apostolado, Centros Sociais Paroquiais, Misericórdias, e todas as pessoas e instituições envolvidas neste «trabalho do amor» (1 Tessalonicenses 1,3). A todos peço que experimentemos a alegria de sairmos mais de nós ao encontro de todos, para juntos celebrarmos o grande amor que Deus tem por nós e sentirmos a alegria da sua misericórdia infinita. Que cada um de nós sinta como sua primeira riqueza e dignidade a de ser filho de Deus com muitos irmãos à sua volta. E para todos imploro de Deus a sua bênção, e de Maria, nossa Mãe, a sua proteção carinhosa e maternal.

15. E não esqueçamos que é o SENHOR Crucificado e Ressuscitado a verdadeira razão de ser da Igreja, da nossa vida, da nossa vocação e da nossa missão. É a Ele que dirigimos hoje com alegria a nossa oração:

Tu, Senhor, Tu falas
E um caminho novo se abre a nossos pés,
Uma luz nova em nossos olhos arde,
Átrio de luminosidade,
Pão
De trigo e de liberdade,
Claridade que se ateia ao coração. 

Lume novo, lareira acesa na cidade,
És Tu, Senhor, o clarão da tarde,
A notícia, a carícia, a ressurreição.

Passa outra vez, Senhor, dá-nos a mão,
Levanta-nos,
Não nos deixes ociosos nas praças,
Sentados à beira dos caminhos,
Sonolentos,
Desavindos,
A remendar bolsas ou redes.
Sacia-nos.
Envia-nos, Senhor,
E partiremos
O pão,
O perdão,
Até que em cada um de nós nasça um irmão.

Lamego, 01 de outubro de 2018, Memória de Santa Teresa do Menino Jesus, Virgem e Doutora da Igreja e Padroeira Universal das Missões
+ António, vosso bispo e irmão


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