quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Como criar um filho criminoso?

 - Por Padre João Torres

Andando pelo mundo prisional há muitos anos, aprendi que o crime raramente começa no gesto que o define. Começa antes — em pequenas negligências, em silêncios prolongados, em ausências disfarçadas de amor. Começa quando deixamos de educar para começar apenas a satisfazer. E, por mais que custe reconhecer, a prisão é muitas vezes o espelho daquilo que a sociedade não quis ver em casa, na escola, nas ruas, nas leis e até dentro de si mesma.

Ao longo de décadas de escuta e de confissões, percebi que não há um único culpado, há uma teia de omissões. Pais que, com medo de repetir os erros do passado, perderam a coragem de ser firmes. Professores que deixaram de ter autoridade, porque a escola se tornou refém de queixas e complacências.
Uma sociedade que evita o confronto e chama “liberdade” ao abandono, glorificando o prazer imediato e o sucesso fácil. Políticas que confundem inclusão com permissividade, e direitos com ausência de deveres. E noites longas, de ruas cheias e lares vazios, onde muitos jovens aprendem cedo que o limite é apenas uma palavra antiga.
Somos a geração que quis fazer melhor — e, sem querer, confundiu amor com permissividade.
Os pais mais dedicados da história, e, paradoxalmente, os mais inseguros. A última geração de filhos que obedeceram aos pais, e a primeira geração de pais que obedecem aos filhos. Vivemos tempos em que o medo mudou de lugar: antes temíamos os nossos pais, agora tememos os nossos filhos.
E, no meio disto tudo, investimos com afinco em dar aos filhos tudo o que o mundo valoriza. Queremos que tirem boas notas, que falem línguas, que brilhem no desporto, que dominem instrumentos musicais, que saibam competir e vencer. Mas esquecemo-nos de lhes ensinar a perder. Esquecemo-nos de lhes mostrar o valor do silêncio, da paciência, da renúncia. Rejeitámos, quase com vergonha, o cultivo da dimensão espiritual e moral — como se educar a alma fosse uma excentricidade antiquada.
Formamos crianças que sabem muito, mas compreendem pouco.
Que têm competências, mas não têm consciência.
Que conhecem o mundo, mas não se conhecem a si mesmas.
Ensinamos-lhes a somar, mas não a distinguir o bem do mal.
E quando o vazio moral cresce, nenhuma medalha, nenhum diploma, nenhuma habilidade o consegue preencher.
Durante muitos anos, ouvi dezenas de reclusos dizerem-me:
“Padre, o que me faltou não foi escola, foi rumo.”
“Faltou-me alguém que me ensinasse o que é certo, não apenas o que é útil.” E nessas palavras está uma verdade dura: educar sem formar o carácter é como construir uma casa sobre areia.
Quer criar um filho criminoso?
Dê-lhe tudo, menos a noção de limite.
Ofereça-lhe liberdade, sem lhe ensinar responsabilidade.
Alimente o corpo e a mente, mas descuide a alma. Ensine-o a vencer, mas não a ser justo. E, quando ele tropeçar, culpe o mundo — porque foi isso que ele aprendeu a fazer.
Mas se quiser formar um ser humano inteiro, ame-o com firmeza.
Mostre-lhe que o amor não é ausência de regras, é presença constante.
Ensine-lhe que o “não” também salva. Que a disciplina é um acto de amor e o respeito é o alicerce da dignidade. Reze com ele, escute-o, partilhe a fé que o sustenta, mesmo que vacilante — porque a fé, antes de ser dogma, é horizonte.
O problema não é apenas dos pais, nem apenas da escola. É de todos nós — de uma sociedade que exige desempenho, mas não exige virtude. Que valoriza o sucesso, mas despreza o sentido. Que celebra o talento, mas esquece o carácter.
E talvez o maior fracasso do nosso tempo seja criar filhos preparados para o mundo, mas não preparados para a vida. Porque o mundo muda, mas a vida — essa — continua a pedir coragem, humildade, verdade e amor.
O crime, afinal, não nasce de um único gesto.
Nasce do somatório dos silêncios, das desistências e da ausência de rumo.
E talvez a verdadeira reabilitação comece não nas prisões, mas nas casas, nas escolas, nas ruas, nas diversões e nos corações, quando tivermos a coragem de voltar a ensinar o essencial: a diferença entre o que é possível e o que é certo.
(Imagem ilustrativa) © Créditos: Pierre Matgé
Texto publicado no Facebook

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