Carta Pastoral de D. António Couto, Bispo de Lamego
IGREJA DE LAMEGO EM CAMINHO E EM COMUNHÃO
«E EU também te digo: “Tu és
Pedro, e sobre esta pedra construirei
a minha Igreja”» (Mateus 16,18).
«Jesus constituiu a Igreja,
colocando no seu vértice o Colégio Apostólico, no qual o apóstolo Pedro é a “pedra”
(cf. Mateus 16,18), aquele que deve “confirmar” os irmãos na fé (cf. Lucas
22,32). Nesta Igreja, porém, como numa pirâmide invertida, o vértice situa-se
por debaixo da base. Por isso, aqueles que exercem a autoridade chamam-se
“ministros”, porque, segundo o significado originário da palavra, são os mais
pequenos de todos» (Francisco, Discurso na comemoração do 50.º aniversário da
instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015).
«Vinde a mim todos os que andais cansados e afadigados, e eu vos
farei repousar. Tomai o meu jugo sobre vós, e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis
repouso para as vossas vidas, porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve»
(Mateus 11,28-30).
«No dia
seguinte, João estava lá outra vez, e, com ele, dois dos seus discípulos, e
fixando os olhos em Jesus, que passava, diz: “Eis o cordeiro de Deus”. E
ouviram-no os dois discípulos a falar e seguiram Jesus. Tendo-se voltado, e
tendo visto que eles o seguiam, Jesus diz-lhes: “Que é que procurais”? Eles
então disseram-lhe: “Rabi, que, traduzido, se diz Mestre, onde moras”? Ele diz-lhes: “Vinde
e vereis”. Vieram e viram onde morava e ficaram com Ele naquele dia. Era
por volta da hora décima» (João 1,35-39).
«Para onde Eu vou, vós conheceis o caminho.
Diz-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para onde
vais, como podemos conhecer o caminho?”. Diz-lhe Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Ninguém vem ao Pai senão por mim» (João 14,4-6).
«A luz dos povos é Cristo:
por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente
iluminar com a Sua luz, que
resplandece no rosto da Igreja, todos os
homens, anunciando o Evangelho a toda
a criatura (cf. Marcos 16,15)» (Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen gentium, n.º 1).
«O mundo em que vivemos, e que
somos chamados a amar e servir, mesmo nas suas contradições, exige da Igreja
que potencie as sinergias em todos os âmbitos da sua missão. E o caminho da
sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro
milénio» (Francisco, Discurso na comemoração do 50.º aniversário da instituição
do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015).
Três anos com a Igreja no coração
1. Iniciámos, na
nossa Diocese de Lamego, no passado ano pastoral de 2018-2019, a vivência de um
triénio pastoral dedicado à Igreja, com o intuito de revitalizar o nosso amor à
Igreja, nossa Mãe, e de renovar o tecido cristão e eclesial da nossa vivência
comunitária, paroquial e diocesana, com todas as derivas que desse amor e desse
labor possam advir. Colocámos assim, diante de nós, nesse primeiro ano do
triénio, o rosto e o jeito da Igreja chamada e enviada em missão, para
tomarmos consciência e nos deixarmos envolver mais e mais na nossa vocação de discípulos missionários, chamados e
enviados por Jesus. No ano pastoral de 2019-2020, em que agora entramos,
ocupar-nos-emos sobretudo com o aspeto sinodal
da nossa Igreja, que é uma Igreja em
caminho e em comunhão, em que todos queremos aprender a caminhar
lado-a-lado, como filhos e irmãos, atentos uns aos outros, atentos e dedicados,
atentos, dedicados e solidários, porque sabemos que no meio de nós se abre o
caminho luminoso, que é Cristo Jesus, cuja luz se reflete também no rosto da
Igreja, nossa Mãe, e no nosso rosto de filhos amados e irmanados. Viver em modo de sínodo é viver em modo de comunhão, é viver em modo de irmão. Vivendo todos com
denodo e feliz empenho este Caminho, andando neste Caminho, ficará fácil
reconhecer, no ano pastoral de 2020-2021, o terceiro do triénio, a verdadeira
identidade da Igreja, visível no seu rosto belo e feliz de Esposa de Cristo e
Mãe de tantos filhos felizes e comovidos.
À procura da identidade da Igreja: Igreja, quem és tu?
2. O Concílio II
do Vaticano (1962-1965) debruçou-se intensamente sobre esta temática, e
produziu sobre a Igreja uma Constituição Dogmática, que aparece sob o título
significativo de Lumen gentium,
expressão latina que significa «Luz dos povos». Tentação fácil. Dado que esta
Constituição Dogmática tem por assunto a Igreja, e aparece com o título de Lumen gentium [= Luz dos povos], pode
parecer lógico e até convidativo associar «Igreja» com «Luz dos povos», e
pensar que fica logo ali resolvido o assunto com a proposição: «A Igreja é a
luz dos povos», ou «A luz dos povos é a Igreja». Equívoco preconceituoso,
talvez vaidoso e autorreferencial. Na verdade, o texto da referida Constituição
Dogmática sobre a Igreja abre, com espanto e encanto, desta maneira: «A luz dos
povos é Cristo» [= Lumen gentium cum sit
Christus]. Extraordinária reviravolta mental, um verdadeiro salto de
trapézio que somos obrigados a fazer. Esperávamos, a abrir, uma afirmação sobre
a Igreja. Ei-la que incide sobre Cristo. É Ele a luz para todos os homens.
Também para a Igreja. Luz primeira, que ilumina todo o homem que vem a este
mundo (João 1,9). O texto conciliar continua, denso, claro, intenso e incisivo:
«Este
sagrado Concílio [= ou Sínodo], reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar
com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens» [= haec Sacrosancta Synodus, in Spiritu Sancto
congregata, omnes homines claritate Eius, super faciem Ecclesiae resplendente,
illuminare vehementer exoptat]. A Luz é Cristo. Mas esta Luz, que é Cristo,
resplandece no rosto da Igreja. É o conhecido mysterium lunae dos Padres gregos e latinos do primeiro milénio,
entretanto recuperado e utilizado em múltiplas intervenções pelo Papa
Francisco, já desde as sessões anteriores ao Conclave, que o havia de eleger
Bispo de Roma. Neste modelo de Igreja, vista como mysterium lunae, a Igreja não tem Luz própria, não é nem pode ser
autorreferencial. Recebe no seu rosto a Luz de Cristo, como a lua a recebe do
sol. A Igreja não pode ser autónoma. Só pode ser Cristónoma. Mas também esta
luz de Cristo recebida, e que brilha no rosto da Igreja, não termina na Igreja
o seu percurso. Destina-se a iluminar «todos os homens» [= omnes homines]. Eis como o rosto da Igreja tem de ser ecuménico,
como ecuménica tem de ser também a sua missão. Note-se ainda, de passagem, como
os termos «Concílio» e «Sínodo» são intercambiáveis.
Completa vinculação a Cristo
3. Como se vê, a
Igreja do Concílio aparece totalmente vinculada a Cristo (…) 1,5Há de ter-se,
portanto, bem presente que a construção da Igreja não é obra nossa; é obra de
Cristo, que afirma em 1.ª pessoa: «Construirei».
E há de notar-se também que a Igreja não é nossa; é de Jesus, pois Jesus diz
dela: «a minha Igreja». (…) Por isso,
aqueles que exercem a autoridade chamam-se “ministros”, porque, segundo o
significado originário da palavra, são os mais pequenos de todos» (Francisco, Discurso na comemoração do 50.º aniversário
da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015).
Missão verdadeiramente universal
4. A Igreja de
Cristo e do Concílio não vive por si mesma e para si mesma. Recebe a Luz de
Cristo, não como privilégio a que se apegar ciosamente, mas para, não de forma
vaidosa, mas humilde, com essa Luz, iluminar todos os homens. O texto Conciliar diz claramente todos os homens. Portanto, esta Luz, que
é Jesus, não se destina a circular apenas em circuito fechado, entre católicos
e seus movimentos, grupos e associações, nem tão-pouco se pode encerrar em
grupos particulares de amigos ou de interesses. A missão da Igreja é levar a
Luz de Cristo a todos os homens, de
todas as raças, línguas, cores, culturas, religiões, situações sociais e
humanas, num raio de ação verdadeiramente ecuménico. Mas o texto do Concílio
vai ainda mais longe, e, citando Marcos 16,15, quer ver a Igreja «a anunciar o
Evangelho a toda a criatura» (pâsa hê ktísis), isto é, a cuidar com
carinho do azul do céu e do verde da terra, do ar que respiramos, das árvores,
dos mares, dos rios, das colinas, dos vales, dos campos, dos animais, dos
passarinhos, cumprindo o mandato que lhe foi confiado pelo Criador (Génesis
1,26 e 28). –
A questão da sinodalidade: o que é a sinodalidade?
5. Já deu para entender
que a Igreja vive entalada entre
Cristo, de quem se recebe, e a humanidade inteira, que deve amar e servir.
Acrescenta-se agora que o vocábulo “sínodo”, do grego syn-hodós, que significa “fazer caminho juntos”, é muito próximo do
termo “concílio”, do latim cum-calere,
que significa “chamar juntos”, “ser chamados juntos”, sendo os dois termos,
sínodo e concílio, intercambiáveis nos próprios textos conciliares. Não é
difícil sentir por debaixo deste calere
latino o chão do grego kaléô [=
chamar] e do hebraico qahal [=
assembleia], de onde vem a nossa ekklêsía,
isto é, a Igreja, comunidade dos
chamados ou convocados por Deus, como vimos na Carta Pastoral do ano passado
(2018-2019). Além disso, vale ainda a pena lembrar a célebre expressão de S.
João Crisóstomo que refere que «Igreja e Sínodo são sinónimos», pelo que a
sinodalidade não é um slogan à medida
de uma qualquer ideologia. Um slogan
ou uma moda, um acessório, uma coisa a fazer na Igreja. Não é mais uma coisa a
fazer na Igreja, mas é a própria Igreja a fazer-se. Por isso, a sinodalidade
tem a idade da Igreja. E é ainda necessário não esquecer a sábia e oportuna
orientação que o Papa Francisco nos deixou, no memorável Discurso proferido na comemoração do 50.º aniversário da instituição
do Sínodo dos Bispos, em 17 de outubro de 2015, já citado em epígrafe, e que
aqui, pela sua importância e acuidade, deixo mais uma vez registado: «O mundo
em que vivemos, e que somos chamados a amar e servir, mesmo nas suas
contradições, exige da Igreja que potencie as sinergias em todos os âmbitos da
sua missão. E o caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus
espera da Igreja do terceiro milénio».
«O processo é o resultado»
6. A primeira
coisa que se deve dizer acerca da sinodalidade, é que a sinodalidade não é uma
coisa para fazer, uma tarefa para cumprir, um assunto para estudar. Resulta
daqui que não há um livro, um manual, uma receita que se possa entregar às
pessoas, para lhes servir de guia. A segunda coisa é que a sinodalidade é um
estilo de vida, uma maneira de viver, um processo em que se entra, não para
atingir um determinado objetivo, uma meta, um resultado, porque o processo é já
o resultado. «O processo é o resultado»! Trata-se de uma expressão feliz e
eficaz, provinda do mundo das ciências da comunicação, e que o teólogo alemão
Otto Hermann Pesch (1931-2014) lançou em teologia, e que se ajusta à maravilha
ao mundo da sinodalidade, e que significa que a reflexão do Concilio II do
Vaticano acerca da Igreja como comunhão, antes de ser um tema discutido, um
conceito debatido, foi uma experiência vivida e partilhada. É claro que é Jesus
o mestre deste «processo» de «fazer caminho juntos», o mestre da sinodalidade.
Veremos esta realidade a acontecer em três passagens dos Evangelhos, para, em
seguida, a vermos também a acontecer no tecido vivo e vivido, isto é, no
fazer-se do Concílio II do Vaticano. Em suma, e vai passando como uma espécie
de refrão: a sinodalidade não é uma coisa a fazer na Igreja, mas é a Igreja a
fazer-se.
O caminho de Jesus, o Mestre da sinodalidade
7. Deixemo-nos
surpreender pelo Mestre que não põe manuais nas mãos dos seus discípulos, nem
indica livros de consulta, nem outra bibliografia, outros instrumentos ou
meios, simplesmente dispensa meios, mas convida os seus discípulos a entrar no
seu caminho, a fazer caminho com Ele. Vejamos esta metodologia mais de perto em
três vagas do Evangelho.
7.1. Primeira
vaga: João 1,35-39
«No
dia seguinte, João estava lá outra vez, e, com ele, dois dos seus discípulos, e
fixando os olhos em Jesus, que passava,
diz: “Eis o Cordeiro de Deus”. E ouviram-no os dois discípulos a falar e
seguiram Jesus. Tendo-se voltado e tendo visto que eles o seguiam, Jesus
diz-lhes: “Que é que procurais?”. Eles então disseram-lhe: “Rabi, que, traduzido, se diz Mestre, onde moras?”. Ele diz-lhes: “Vinde e vereis”. Vieram e viram onde
morava e ficaram com Ele naquele dia. Era por volta da hora décima» (João
1,35-39).
Resulta fácil compreender que este Jesus que passa, e que é tratado por Mestre, não ensina como os outros, e dá
respostas surpreendentes e imprevisíveis. Não ensina conteúdos, mas uma maneira
nova de viver. Dá-se a conhecer a quem com Ele quiser fazer o caminho, isto é,
a quem aceitar conviver com Ele, partilhar a Sua própria vida, a Sua maneira de
viver. E é marcante esta experiência, de tal modo marcante, que estes dois
discípulos anotam na agenda do coração a hora inesquecível em que esta
convivência começou.
7.2. Enfrentemos a segunda vaga: João
14,4-6:
«Para onde Eu vou, vós conheceis o
caminho. Diz-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para
onde vais, como podemos conhecer o caminho?”. Diz-lhe Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.
Ninguém vem ao Pai senão por mim»
(João 14,4-6).
Tomé funciona como nós. Primeiro,
definimos o destino ou a meta da viagem. É só depois de definido o destino, que
acertamos o caminho que vamos fazer para lá chegar. Sem sabermos o destino
aonde queremos chegar, não podemos escolher o caminho para lá chegar. É
diferente a metodologia de Jesus. Ele começa por apresentar o caminho. E depois
acrescenta: indo por este caminho, chegareis ao destino. Com uma imensa
novidade: o caminho não é no mapa. O caminho é pessoal. O caminho é o próprio
Jesus, a sua maneira nova de viver: «Eu sou o Caminho», diz Jesus. E o lugar de
destino também não se situa no mapa. É um lugar pessoal. É o Pai.
7.3. Vem ainda uma terceira vaga: Mateus
11,28-30:
«Vinde a mim todos os que andais cansados e afadigados, e eu vos
farei repousar. Tomai o meu jugo sobre vós, e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis
repouso para as vossas vidas, porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve»
(11,28-30).
Tanta clareza que até provoca calafrios
nas nossas mentes com lentes e esquadria escolares. Tudo o que Jesus ensina é o
modo como ensina, melhor, como vive: «Vinde a mim». Trata-se de
aderir à pessoa de Jesus, diretamente, sem intermediários nem meios. «Aprendei
de mim». Outra vez. Não há livros, instrumentos, computadores, plataformas online ou velhos quadros, lousas e
cadernos. Tão-pouco há professores, animadores ou monitores. Há uma maneira
nova de viver, de conviver e de amar para aprender.
O
caminho do Concílio (Sínodo): a sinodalidade
8. Não vou propor que estudemos o que fez o Concílio ou o que se fez no Concílio. Quem quiser
fazer isso, deve consultar os Documentos
do Concílio. Proponho, em vez disso, que prestemos mais atenção ao como fez o Concílio ou ao como se fez no Concílio. Esta proposta
vai no sentido de analisar e mostrar o método
de trabalho usado no Concílio, ou, por outras palavras, o caminho que o Concílio adotou para trabalhar. Em suma, não nos
interessa tanto o que, mas o como. Não tanto o que disse o Concílio, mas como
o disse, ou melhor, e antes disso, como
o viveu. E é aqui que nos deparamos outra vez com a sinodalidade, e
compreendemos melhor que a sinodalidade
não é apenas uma coisa para fazer na Igreja, mas é a Igreja a fazer-se; faz
parte da identidade da Igreja,
daquilo que a Igreja é desde sempre.
A sinodalidade tem, pois, a idade da Igreja. Viver em modo de sínodo é viver em
modo de comunhão, é viver em modo de
irmão.
9. Importa, neste sentido, tomar
conhecimento do modo de trabalhar dos
participantes no Concílio. Vale a pena passar o filme atrás e constatar que os
Padres conciliares eram 2540, oriundos dos cinco continentes, assistidos por
460 peritos, estando presentes também 129 religiosos, 85 delegados, 46
observadores. Um Concílio verdadeiramente ecuménico, como nunca tinha
acontecido na Igreja. E esta heterogeneidade de lugares de proveniência
traduz-se em culturas diferentes, cores diferentes, línguas diferentes, estilos
diferentes, diferentes maneiras de ver, de sentir, de dizer e de fazer. Já
ficou expresso atrás que estes 2540 Padres, reunidos no Vaticano, eram
diferentes em múltiplos aspetos. Mas unia-os a sua comum humanidade, o seu amor
à Igreja e a sua fé em Cristo. Encontraram-se ali reunidos, e tinham uma missão
em comum: dizer toda a fé de sempre, num modo novo, ajustado ao homem de hoje.
10. Portanto, estes 2540 Padres,
diferentes mas unidos na mesma fé de sempre, tinham pela frente uma missão
imensa e empenhativa: dizer toda a fé de sempre, num modo novo, ajustado ao
homem de hoje. Constatamos em primeiro lugar a presença de 2540 Padres
diferentes. Trata-se de um sujeito novo, formado por muitos rostos diferentes,
que são chamados a aprender a caminhar juntos, em comunhão, acertando ritmos,
passos e modos de fazer, sempre escutando e falando, dialogando e debatendo,
rezando e estudando. É o modo como vivem que vão deixar impresso nos
Documentos. Os Documentos não são, portanto, simples produto de laboratório,
mas retratam a vivência em comunhão destes 2540 Padres conciliares. Foram-lhes
entregues esquemas de antemão preparados pela Comissão Preparatória do
Concílio. Os Padres, porém, dialogando e caminhando juntos, em comunhão,
decidiram pôr de lado esses esquemas, e dar início a um trabalho novo.
Acertaram métodos e tempos de trabalho: de manhã, debate em aula conciliar; de
tarde, reflexão e troca de impressões. Também decidiram trabalhar em aula
conciliar de outubro a dezembro, ficando o restante tempo do ano para maturar
ideias. Entretanto, os peritos multiplicavam-se em promover debates em
múltiplos centros de reflexão, e em encontrar novas maneiras e expressões de
articular e dizer toda a fé de sempre, de modo novo. Quando terminaria o
Concílio? Ainda que tenha dito, no Discurso inaugural, em 11 de outubro de
1962, que se devia empregar o tempo que fosse necessário, o Papa S. João XXIII
augurava, na noite desse dia, no famoso Discurso da Lua, que talvez pudesse
terminar em dezembro de 1962. Os Padres acharam que precisavam de mais tempo. E
assim, em dezembro de 1962, interromperam os trabalhos em aula conciliar e
regressaram às suas Dioceses, com trabalho de casa para fazer, e regressaram à
aula conciliar em outubro de 1963 para mais uma sessão que decorreria até
dezembro. O mesmo foi feito em 1964 e 1965.
A
sinodalidade não é uma coisa a fazer na Igreja; é a Igreja a fazer-se
11. «O caminho da sinodalidade é o caminho
que Deus espera da Igreja do terceiro milénio», como já vimos no célebre
Discurso do Papa Francisco, proferido em 17 de outubro de 2015, na comemoração
do 50.º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos (em epígrafe).
Sinodalidade é «fazer caminho juntos», lado-a-lado, em comunhão, não obstante
as naturais diferenças que haja entre nós. Ou talvez mesmo por causa das
diferenças que há entre nós, é que nós temos de aprender a caminhar juntos,
acertando ritmos, passos e modos. Se fôssemos todos iguais, nem seria preciso
pôr o problema. É assim que a sinodalidade não é uma coisa a fazer na Igreja,
mas é a própria Igreja a fazer-se. «Caminhar juntos» com crianças, jovens, pais
e avós, amigos, inimigos e indiferentes, sãos e doentes, conhecidos e
desconhecidos, ricos e pobres, crentes e descrentes, implica adotar um ritmo,
um passo e um modo que sirva a todos, que a todos congregue e que a todos nos
mantenha juntos, unidos e reunidos à volta de Jesus, não deixando ninguém para
trás, não deixando perder nenhum dos irmãos que Deus nos deu (cf. João 17,12).
A sinodalidade leva-nos ao encontro uns dos outros, ao encontro de todos, mesmo
de todos, à procura de todos e de cada um, à inclusão de todos e de cada um,
pelo que, «fazendo caminho juntos», serão inúmeros os desafios que teremos de
enfrentar juntos: manter-nos juntos, unidos e reunidos, cuidar dos doentes, dar
atenção aos pobres, velar pela concórdia onde haja discórdia. São inúmeros os
desafios a que teremos de responder. Estes desafios e este modo de viver
derivam do âmbito do processo da sinodalidade que queremos viver, e que não é
apenas mais uma coisa a fazer na Igreja, mas é a própria Igreja a fazer-se. Daí
que também o caminho da missão tenha de estar sempre aberto.
12. No seguimento de quanto fica exposto,
é-me grato propor a todos os meus queridos irmãos e irmãs que comigo peregrinam
nesta nossa Diocese de Lamego e suas 223 Paróquias que, no decurso deste ano
pastoral de 2019-2020, façamos crescer movimentos envolventes, cada vez mais
amplos e envolventes, ao encontro de todos, para a todos incluirmos na nossa
peregrinação fraterna, e para que sintamos a alegria de partilharmos a nossa fé
de sempre, de modo novo, cada vez com mais irmãos, todos empenhados no caminho
longo do diálogo, da escuta e da partilha, da oração, da compreensão, da
visitação e da caridade. Viver em modo de
sínodo é viver em modo de comunhão,
é viver em modo de irmão. Renovo, de
forma particular, o apelo a uma nova envolvência na experiência das avalanches
da fé. E também a fazermos das nossas peregrinações e procissões verdadeiras
experiências de Igreja peregrina, de «fazer caminho juntos», carinhosamente
atentos uns aos outros. Neste cenário envolvente, não posso também deixar de
repropor um suplemento de esforço para que os órgãos de participação (Conselhos
Económicos, Conselhos Pastorais…) se tornem vivos e efetivos em todos os nossos
espaços pastorais. E que cresça também em nós o carinho pela boa, bela e
fecunda Criação com que Deus, nosso Pai, nos favoreceu, e nos incumbiu de amar.
13.
E dado que a sinodalidade não é uma coisa a fazer na Igreja, mas a Igreja a fazer-se,
saúdo
afetuosamente e convoco todos os diocesanos da nossa Diocese de Lamego,
espalhados pelas suas 223 paróquias: sacerdotes, diáconos, consagrados,
consagradas, fiéis leigos, pais, mães, avôs, avós, famílias, jovens, crianças,
catequistas, acólitos, leitores, cantores, agentes envolvidos na pastoral,
membros dos movimentos de Apostolado, Centros Sociais Paroquiais,
Misericórdias, e todas as pessoas e instituições envolvidas neste «trabalho do
amor» (1 Tessalonicenses 1,3). A todos peço que experimentemos a alegria de
«fazer caminho juntos», sempre todos juntos, acertando, por isso e para isso,
ritmos, passos e modos, pois somos todos diferentes, mas todos filhos amados de
Deus, que a todos incumbiu de vivermos irmanados e felizes e de velarmos com
amor uns pelos outros, carregando os fardos uns dos outros (Gálatas 6,2),
ajudando a resolver os problemas uns dos outros. E para todos imploro de Deus a
sua bênção, e de Maria, nossa Mãe, a sua proteção carinhosa e maternal.
«O lugar para onde Eu vou,
Vós sabeis o caminho para lá», diz Jesus.
«Nós não sabemos para onde vais,
Como podemos saber o caminho para lá?»,
Retorquiu Tomé.
Tomé é como nós:
Não sabe trabalhar sem metas e objetivos.
E é em função das metas e objetivos,
Que escolhe caminhos e metodologias.
Deus disse a Abraão: «Vai do teu país
Para o país que Eu te farei ver».
E o narrador diz-nos que «Abraão foi».
Para onde? Para qual país?
Não interessa.
Interessa é saber que uma mão segura nos
guia,
E que o caminho que trilhamos nos conduz
sempre ao destino.
É assim que faz Jesus também.
Não nos indica no mapa o lugar do destino,
Mas mostra-nos o caminho para chegar lá.
Por isso nos diz: «Vinde atrás de Mim…».
É assim a procissão e a peregrinação.
Ele vai connosco e à nossa frente.
Ele é o caminho,
A mão segura,
A água pura,
O pão de trigo.
Ensina-nos, Senhor,
A caminhar contigo.
Lamego, 01 de setembro de 2019, Dia do
Senhor e Dia Mundial de Oração pela Criação
+ António, vosso bispo e irmão
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