sábado, 19 de julho de 2014

É possível anular um batismo feito na Igreja católica?


Pergunta: prezado Frei, preciso anular meu batizado, que foi um sonho realizado há 4 anos atrás. Tenho 34 anos e a madrinha que escolhi se esconde através da igreja, uma vez que sempre seguiu outra religião inaceitável para mim, além de só enaltecer o mal e os "sacrifícios". Preciso anular esse batizado para viver em paz, pois carrego este peso e estou depressiva em função disso. Preciso tirar esse vínculo da minha vida. Por favor, me ajude, me oriente! O que faço? Poderei fazer catecumenato novamente para outro batismo? Quais são as minhas chances de anular este batismo?

Resposta: O batismo na água e no Espírito Santo é a porta de entrada e o fundamento de todos os sacramentos da Igreja. O batismo pela água, ou ao menos pelo desejo, é necessário à salvação (Jo 3, 5; Mc 16,16). O batismo de desejo compreende também o martírio (batismo de sangue, cf. MT 10, 32; 16, 25). Liberta o ser humano de todos os seus pecados, inclusive do pecado original. Regenera espiritualmente o ser humano e lhe constitui filho de Deus, através da Graça (Rm 8, 15; 2Pd 1, 4).

Do ponto de vista teológico-jurídico, os sacramentos são direitos de um povo que é sacerdotal pela própria natureza (cânon 835). Resulta daí que todos os fiéis cristãos participam, cada um no exercício que lhe é peculiar, do múnus de ensinar, santificar e reger da Igreja. Pelo batismo, que é o portal dos demais sacramentos, todos integram o sacerdócio comum de Cristo. Nessa perspectiva, o fiel cristão é inserido nesse sacerdócio e por conseguinte, passa a ser sujeito de direito fundamental aos demais sacramentos, instituídos por Cristo e organizados pela Igreja.

O Código de Direito Canônico é taxativo, quando afirma que “os ministros sagrados não podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem devidamente dispostos e que pelo direito não forem proibidos de os receber”(cânon 843, § 1). Em outras palavras, é uma obrigação (dever) dos ministros sagrados, que corresponde a um direito da parte dos fiéis cristãos. A obrigação, por outro lado, é um dever de justiça, sobretudo aos ministros encarregados na cura de uma comunidade.

Configurando a questão apresentada pela internauta, o Código da Igreja afirma o seguinte:
“§ 1. Para que uma criança seja licitamente batizada, é necessário que: 1° - os pais, ou ao menos um deles ou quem legitimamente faz as suas vezes, consintam; 2° - haja fundada esperança de que será educada na religião católica; se essa esperança faltar de todo, o batismo seja adiado segundo as prescrições do direito particular, avisando-se aos pais sobre o motivo. § 2. Em perigo de morte, a criança filha de pais católicos, e mesmo não-católicos, é licitamente batizada mesmo contra a vontade dos pais” (Cânon 868).

Como se percebe no presente texto, deve haver o consentimento dos pais, ou dos responsáveis pela criança, para que ela seja batizada na Igreja. Contudo, a norma não limita a questão aos dois genitores da criança. O texto afirma que podem ser os pais, ou ao menos um deles... Significa que prevalece o direito ao batismo, mesmo que uma parte não concorde com o mesmo.

Em relação aos padrinhos do batizado, o cânon 874 do nosso Código apresenta os seguintes requisitos:
1) Que sejam idôneos para exercer essa função;
2) Que sejam designados pelo próprio batizando, pelos pais, pelo pároco ou pelo ministro;
3) Que tenham 16 anos de idade completos;
4) Que sejam católicos, já crismados e tenham feito a primeira Eucaristia;
5) Que não sejam passivos de penas canônicas;
6) Que não sejam o pai ou a mãe do batizando.

É importante recordar que o Código admite “um só padrinho ou uma só madrinha, ou também um padrinho e uma madrinha”(cânon 873). Em base a esse cânon, onde a realidade ecumênica for possível, se pode, por exemplo, colocar um padrinho católico e um padrinho de outra religião cristã, desde que concorde com a parte católica, sem o prejuízo da educação na fé do batizando. Nesse caso, a parte acatólica não é um verdadeiro padrinho, mas funciona como testemunha do batizado.
Na praxe pastoral, acontecem casos como esse em que os pais ou os próprios batizados estão arrependidos com os padrinhos. Daí, perguntam: - Frei, a gente pode anular, ou arranjar outros padrinhos? Infelizmente, a resposta é negativa. O cânon 872 deixa aberta a possibilidade de não haver padrinhos, quando diz que: “Ao batizando, enquanto possível, seja dado um padrinho, a quem cabe acompanhar o batizando adulto na iniciação cristã e, junto com os pais, apresentar ao batismo o batizando criança”.


Os padrinhos, se convidados, podem ajudar no cumprimento das obrigações essenciais do batizado. Porém, não lhes são essenciais. Além do mais, na maioria das vezes os padrinhos são uma espécie de arranjo, um status social, para dar presentes ao batizando e para cumprir ou devolver favores entre as famílias. Do ponto de vista da ajuda no cumprimento das obrigações cristãs, pouco ou quase nada fazem. E por último, seria ridículo ter que fazer outra celebração (re-batismo) e, sem contar, que os nomes dos padrinhos, se houver, já estão registrados no Livro de batismos e não podem ser cancelados.


Voltando ao caso, de acordo com o cânon 845, § 1, os sacramentos do batismo, confirmação e ordem, já que imprimem caráter, não podem ser repetidos, porque revestem o ser humano de Cristo (Gl 3, 27), tornando-o membro de seu Corpo (1Cor 12, 12-13), constituindo-o em Povo de Deus.

Em base ao exposto, conclui-se que o batismo imprime caráter e, por isso, não pode ser repetido, salvo restando se foi inválido pela própria natureza (batismo realizado numa Igreja não aceita pela Igreja Católica). A responsabilidade do batismo de crianças recai sobre os pais ou responsáveis pelas mesmas. Mesmo que haja o consentimento somente de um dos genitores, o batismo seja administrado e não pode ser cancelado. Também não se pode anular os padrinhos, ou um deles, uma vez que o Código admite a possibilidade de não convidá-los. Porém, uma vez convidados, enquanto testemunhas do ato e enquanto corresponsáveis em tutelar a fé da criança batizada, a resposta da Igreja é: nem o batismo válido pode ser deletado, nem os padrinhos.

Aconselhamos a internauta a trabalhar melhor a sua fé, para que o seu batismo seja fecundo e continue produzindo o seu efeito, não obstante a sua negação e a dos padrinhos. E que o Espírito do Senhor a ajude a contornar esta situação em busca de melhores dias, pelo perdão e pela misericórdia de Deus diante de pessoas que nem sempre cumprem a sua função no testemunho da fé, esperança e caridade.
Fonte: aqui

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