O jejum e a abstinência são práticas penitenciais tradicionalmente presentes no itinerário quaresmal. O JEJUM significa uma particular contenção na alimentação, mais pobre, simples e comedida; a ABSTINÊNCIA convida à privação voluntária de certos bens, alimentos ou despesas (e não necessariamente carne). Quer um quer outro implicam fazer uma significativa poupança económica, que, depois, deverá ser oferecida a pessoas ou instituições carenciadas = contributo penitencial.
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Na disciplina tradicional da Igreja, a concretização do jejum fazia-se limitando a alimentação diária a uma refeição, embora não se excluísse que se pudesse tomar alimentos ligeiros às horas das outras refeições. Ainda que convenha manter-se esta forma tradicional de jejuar, contudo os fiéis poderão cumprir o preceito do jejum privando-se de uma quantidade ou qualidade de alimentos ou bebidas que constituam verdadeira privação ou penitência.
A ABSTINÊNCIA, por sua vez, consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre. A sua concretização na disciplina tradicional da Igreja era a abstenção de carne. Será muito aconselhável manter esta forma de abstinência, particularmente nas sextas-feiras da Quaresma. Mas poderá ser substituída pela privação de outros alimentos e bebidas, sobretudo mais requintados e dispendiosos ou da especial preferência de cada um.
1- JEJUAR LONGE DE DEUS?
O jejum praticado pelos judeus – relatado nos textos do Antigo e Novo Testamento – tinha como principal objetivo preparar os corações para a vinda do Senhor. Esta preparação passava pela conversão e fidelidade à vontade de Deus (cfr. Jonas 3, 1-10). Isaías, ao observar o modo como o povo vivia, denunciou a falta de conversão e repreendia-o: «Para quê jejuar, se vós não fazeis caso? Para quê humilhar-nos, se não prestais atenção? É porque no dia do vosso jejum só cuidais dos vossos negócios, e oprimis todos os vossos empregados. Jejuais entre rixas e disputas, dando bofetadas sem dó nem piedade. Não jejueis como tendes feito até hoje, se quereis que a vossa voz seja ouvida no alto. Acaso é esse o jejum que me agrada, no dia em que o homem se mortifica?» (Is 58, 3-5)
Também Jesus se viu na necessidade de defender os discípulos quando foram acusados, pelos fariseus e pelos discípulos de João Batista, de não jejuarem. E declarou que mais importante que o jejum era gozar, privar e saborear da Sua presença: «Porventura podem os convidados para as núpcias estar tristes, enquanto o esposo está com eles? Porém, hão de vir dias em que lhes será tirado o esposo e, então, hão de jejuar» (Mt 9, 15)
2- JEJUAR SEM CARIDADE?
Outro equívoco comum entre os observantes “cegos” (acríticos) do jejum e da abstinência é cumprir estas práticas penitenciais, mas não passar dum ritual seco, vazio, instintivo. A renúncia ou privação a que se propõem não tem continuidade na partilha ou caridade para com os irmãos mais necessitados. É uma prática vazia, descontextualizada, privada de qualquer significado.
A privação verdadeira/sincera supõe que o amealhado (poupado) no Tempo da Quaresma (Quarta-feira de Cinzas e as sete sextas-feiras) seja oferecido a quem nada ou pouco tem. Por exemplo, se alguém, em vez de gastar dez euros na alimentação diária, gastar só cinco, poupou cinco euros que, ao final de oito práticas de jejum/abstinência quaresmais redundaria numa oferta de quarenta euros para a caridade, o dito Contributo Penitencial. Quem o faz?! Se não o faz, pratica um rito vazio, hipócrita, inútil. O jejum e/ou abstinência perdem todo o sentido e significado.
Além disso, e dentro da denúncia de Isaías (cfr. Is 58, 3-5) estas práticas penitenciais não podem ser usadas para compensar o mal que, entretanto, é feito aos irmãos. Para o Profeta, é bem mais importante a caridade realizada que estes “ritos vazios”: «O jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão. Então, a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente, e a glória do Senhor atrás de ti.» (Is 58, 6-8).
3- JEJUAR SEM MAIS?
Um sublinhado ainda para outra contradição incrível/aberrante verificada nestes pretensos católicos: não conseguem distinguir o essencial/central da fé e o modo como, ao longo dos tempos, se concretizam algumas práticas devocionais (mudam com os tempos). Uma quase totalidade dos católicos (mesmo “não praticantes”) preocupa-se em observar escrupulosamente o jejum e a abstinência quaresmal, que faz parte dos mandamentos da Santa Igreja: «Guardar a abstinência e jejuar nos dias marcados pela Igreja.»
No entanto, bem mais importantes que os mandamentos da Igreja são os Mandamentos da Lei de Deus, confiados a Moisés no Monte Sinai (cfr. Ex 20, 2-17). Ora, para estes ditos “católicos”, é dogma sagrado cumprir um mandamento específico da Igreja (jejum e abstinência), mas não têm pejo em desprezar por completo os Mandamentos da Lei de Deus, como, por exemplo, “Santificar domingos e festas de guarda, honrar pai e mãe e outros legítimos superiores ou guardar castidade nas palavras e nas obras”. Para estes, é mais importante não “comer carne” nas sextas-feiras da Quaresma (Mandamento da Igreja) que participar na Missa aos Domingos (Mandamento da Igreja e Mandamento da Lei de Deus) ou “procurar carne fora do casamento”!
E a talho de foice, se têm tanto interesse em cumprir “esse” Mandamento da Igreja (“guardar abstinência e jejuar nos dias determinados pela Igreja”), lembro que há outros quatro que também deveriam merecer igual atenção: “ouvir missa inteira e abster-se de trabalhos servis nos domingos e festas de guarda”; “confessar-se ao menos uma vez em cada ano”; “comungar ao menos pela Páscoa da Ressurreição”; “prover as necessidades da Igreja, segundo os legítimos usos e costumes e as determinações”.
(P. António Magalhães Sousa), aqui
NOTA: De acordo com as orientações da Igreja, 14 anos é a idade para obrigatoriedade da abstinência e vai até o fim da vida. Para o jejum, a obrigatoriedade é a partir dos 18 anos até os 59 anos completos.
1. Os doentes a quem estas orientações prejudiquem a sua saúde, estão claramente dispensados delas.
2. Aos que tiverem menos idade do que a indicada e aos que tiveram mais idade do que a indicada, deverão os responsáveis procurar atentamente formá-los no verdadeiro sentido da penitência, sugerindo-lhes outros modos de a exprimirem.
Para mais informação, ver aqui
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