As duas histórias que se seguem não explicam nada. Limitam-se a mostrar. E é por isso que ficam.
Um jantar que ninguém esqueceu
O restaurante estava quase cheio. Conversas cruzadas, talheres a bater nos pratos, o ruído normal de uma noite comum. Quando o filho entrou com o pai, muitos repararam no andar lento do velho e nas mãos trémulas agarradas ao braço do filho.
Sentaram-se. O pai tentava comer, mas a colher tremia, a comida caía, o copo quase se virava. Alguns clientes desviaram o olhar. Outros ficaram a observar, em silêncio.
O filho parecia não notar nada. Limpava o pai com o guardanapo, cortava a comida em pedaços pequenos, aproximava o prato, esperava. Ajudava com naturalidade, sem pressa, sem qualquer sinal de embaraço.
A certa altura, a colher caiu ao chão. O som ecoou pela sala. O filho apanhou-a, pediu outra ao empregado de mesa e continuou a refeição como se nada tivesse acontecido.
Pouco a pouco, o ambiente mudou. As conversas abrandaram. Algumas pessoas já não comiam: observavam apenas.
No fim, o filho pediu a conta. O dono do restaurante aproximou-se, mas não lha entregou.
— Hoje não — disse simplesmente. — Hoje fui eu que aprendi.
Quando pai e filho se levantaram para sair, alguém começou a bater palmas. Depois outro. Em segundos, todo o restaurante estava de pé, a aplaudir em silêncio.
O pai não percebeu bem porquê. O filho apertou-lhe o braço e seguiram caminho.
A tigela que ninguém queria herdar
Quando o pai já não conseguiu viver sozinho, foi morar com o filho. No início, sentava-se à mesa com todos. Mas os tremores aumentaram, a comida caía, um prato partiu-se.
— É melhor assim — disse a nora, colocando-lhe a comida numa tigela de madeira. — Não se parte.
O velho passou a comer à parte, num canto da cozinha. Não protestava. Baixava os olhos e comia devagar.
O neto, ainda pequeno, observava tudo.
Um dia, o pai encontrou o filho sentado no chão da sala, a brincar com pedaços de madeira. Estava concentrado, a construir alguma coisa.
— O que estás a fazer? — perguntou-lhe.
— Uma tigela.
— Uma tigela? Para quê?
O miúdo respondeu com toda a naturalidade:
— Para ti, pai. Para quando fores velho e comeres sozinho, como o avô.
O silêncio instalou-se na sala. O pai olhou para o filho, depois para o avô, depois para a tigela de madeira.
Nessa noite, o velho voltou a sentar-se à mesa. A tigela foi retirada. Ninguém fez discursos.
O menino nunca acabou a sua.
Na Festa da Sagrada Família, talvez valha a pena perguntarmo-nos menos o que dizemos aos nossos filhos e mais o que os nossos gestos lhes estão a ensinar.
Porque, na família, aprende-se sobretudo pelo que se vê.
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