quinta-feira, 31 de outubro de 2024

“Muita gente pensa que a sinodalidade é só uma moda”

O Sínodo foi “verdadeiramente a concretização de uma Igreja que caminha                                                                                    segundo o horizonte do Concílio Vaticano II”, defende Dario Vitali. Foto © Clara Raimundo/7MARGENS
Padre, professor de eclesiologia e diretor do Departamento de Teologia Dogmática da Pontifícia Universidade Gregoriana, Dario Vitali foi o coordenador dos peritos em Teologia que acompanharam as duas sessões da XVI Assembleia Geral do Sínodo Sínodo dos Bispos. O seu entusiasmo com o processo sinodal que decorreu ao longo dos últimos três anos é evidente: seja no modo apaixonado com que não se cansa de falar dele aos alunos, ou na curta conversa que teve com o 7MARGENS durante uma pausa do congresso “Do Concílio ao Sínodo. Releitura de um percurso eclesial”, que terminou esta quarta-feira na instituição onde leciona e do qual foi um dos mentores. Mas além de entusiasmo, Vitali, 58 anos, também sente receio. Porque nem todos estão tão entusiasmados como ele…

7MARGENS – O trabalho dos teólogos neste Sínodo foi diferente do habitual… qual era a vossa missão?

Dario Vitali – Nos sínodos anteriores, o trabalho era praticamente individual… Eram convocados alguns peritos, eles estavam presentes nas assembleias, escutavam, e depois escreviam textos que faziam chegar à secretaria e aos relatores do documento final. Mas nas duas sessões desta assembleia sinodal, experimentou-se um método mais comunal e de grupo. Foi-nos pedido que trabalhássemos junto dos chamados círculos menores, isto é, de cada mesa-redonda, e identificássemos onde estava o consenso e quais eram os pontos que poderiam ser acolhidos nos documentos. Assim, posso dizer que o trabalho dos teólogos foi sobretudo o de perceber aonde é que o Espírito conduzia a assembleia. 

7M – E o Espírito Santo foi mesmo o protagonista, como tem dito o Papa?

É importante termos em mente que o Sínodo não é um acontecimento, é um processo. E neste processo todos os sujeitos tiveram oportunidade de falar. A escuta começou nas igrejas particulares e eu, que na minha tese estudei o sensus fidei, reconheço que esta é a maneira mais direta e mais contundente de escutar o Espírito e de promover um protagonismo do Povo de Deus como participante na função profética de Cristo. O Povo de Deus falou e todas as etapas sucessivas foram de discernimento, sendo que o discernimento consistiu em escutar o Espírito a partir dessa função profética do Povo de Deus. Nesta circularidade, nesta reciprocidade entre Povo de Deus e pastores, é mais provável que escutemos o Espírito do que se nos fecharmos numa capela. 

7M – É também por isso que considera que este Sínodo sobre a sinodalidade é uma concretização do Concílio Vaticano II?

Em vez de “Sínodo sobre a sinodalidade”, prefiro dizer “Sínodo sobre a Igreja sinodal”. A Igreja sinodal tem o Povo de Deus como sujeito. O Povo de Deus é a Igreja, por isso peço que escrevam “Povo” com “P” maiúsculo… uma Igreja que caminha sempre juntamente com os seus pastores. E assim tudo o que emerge do documento final é verdadeiramente uma realização desta reciprocidade entre três sujeitos: o Povo de Deus, o colégio dos bispos, o bispo de Roma. O bispo de Roma chama à ação sinodal e toda a Igreja que é comunhão de igrejas participa no processo. E isto é verdadeiramente a concretização de uma Igreja que caminha segundo o horizonte do Concílio Vaticano II. É a tradução prática do que foi a eclesiologia de comunhão que nele se adiantou. Esta sinodalidade é um fruto maduro da eclesiologia do Concílio.

7M – Um fruto que demorou bastante a amadurecer… Não receia que, agora que o Sínodo chegou ao fim, ele possa cair e apodrecer?

É possível… porque há muita gente que pensa que a sinodalidade é só uma moda, que não é uma dimensão constitutiva da Igreja. Na verdade, tal como a dimensão hierárquica é constitutiva da Igreja, também a dimensão sinodal o é. E digo isso porque a Igreja é essencialmente o povo de Deus. A diferença entre o antes e o depois do Concílio é simples: antes era uma Igreja em que se olhava sobretudo para a hierarquia e se identificava a Igreja com a hierarquia (a Igreja do Papa, a Igreja dos bispos, a Igreja dos padres)., e com o Concílio deu-se uma revolução copernicana, que não se tratou de inverter a pirâmide, mas de desmontá-la. Porque no lugar do princípio da diferença colocou-se o princípio da igualdade, e se eu parto da diferença nunca chego à igualdade, mas se eu partir da igualdade… então fico obrigado a pensar a diferença de outra maneira. E é uma diferença não como poder, mas como serviço; não como dignidade, mas como ato de lavar os pés aos outros. 

7M – Mas como é que se compatibiliza uma Igreja hierárquica com uma Igreja sinodal? Estou a pensar em como são contrastantes, por exemplo, as imagens dos membros do Sínodo quando estão na aula Paulo VI, todos misturados, e quando estão nas celebrações na Basílica de São Pedro, todos separados…

A imagem de uma celebração na Basílica de São Pedro não sei se é a representação mais compatível com a Igreja. Porque está claro: há uma assimetria entre o Povo de Deus que celebra, que é sujeito que celebra, e todos os que ao redor do Papa concelebram: cardeais, bispos… Mas a representação mais forte da Igreja está na igreja particular, na igreja local, quando o Povo de Deus se reúne e como um só sujeito celebra a Deus. Esta é a representação verdadeira. Povo de Deus que celebra, porque o sujeito que celebra é sempre o povo de Deus.

7M – E acha que o documento final do Sínodo contribui para que o povo de Deus seja, cada vez mais e verdadeiramente, o sujeito da Igreja?

Sou eclesiólogo e o que destaco do documento final como sendo mais importante é precisamente todo o progresso que se faz na eclesiologia: o povo de Deus é sujeito. Tudo o que se diz da Igreja – o templo do Espírito, a comunhão, o sacramento… – tudo isso é predicado, tudo isso são dimensões. Uma dimensão diz algo, mas não diz tudo da Igreja. Mas a igreja, sujeito, é o povo de Deus. 

7M – E o que ficou a faltar neste documento?

É claro que faltam coisas… não é um tratado. Mas no geral considero-o um bom texto, e um texto que precisa de ser digerido dentro da Igreja de modo a que se possam ver todas as perspetivas. Um texto que precisa de ser pensado para que se descubram todas as possibilidades que abre. Esse é o caminho.

Clara Raimundo, aqui

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