segunda-feira, 7 de agosto de 2023

“Todos, todos, todos”, mas na vida nada é grátis

Ficou bem no ouvido de todos a insistência, pela enésima vez, daquele "todos, todos, todos" do Papa Francisco.
O Papa di-lo e tem-no dito até à exaustão.
Porque - penso eu - há muita gente que, à priori, se julga de fora, julga-se sem "direito" a fazer parte da Igreja, sem direito a participar na vida eclesial, sem direito a celebrar os sacramentos.
Tenho encontrado muitas pessoas (sobretudo pessoas divorciadas, mães solteiras, recasados) que partem do pressuposto que estão excluídas da Igreja e, por isso mesmo, nem sequer ponderam um diálogo com vista a uma aproximação, a uma (re)integração, a uma maior participação.
E é verdade que o discurso e a nossa prática clerical por muitos e por muito tempo (e ainda hoje por uns tantos) ajudou a estigmatizar estas pessoas.
Creio que o Papa, com esta insistência, quer dizer a todos que devem aproximar-se da Igreja, independentemente do seu estado de saúde espiritual e que, para todos, há um lugar na Igreja. A Igreja, enquanto Mãe, está aberta a todos.
Mas também, como explicou o Papa na entrevista dada no voo de regresso a Roma, para quem quer entrar, há um caminho de ingresso e de progresso, há um processo paciente de discernimento, de crescimento e de acompanhamento, que é preciso fazer.
A vida cristã e a pertença e participação na Igreja não é anárquica. O Papa fala mesmo assim: “quem está dentro está de acordo com a legislação”.
Cada um tem, pois, de fazer o seu próprio caminho, na oração, no diálogo pastoral com a Igreja, a fim de encontrar a sua forma de prosseguir, de se integrar, de participar. E aí sim, para todos, todos, todos, deve estar aberta a porta da Igreja.
Portanto, este “todos, todos, todos” não significa abrir agora uma «época de saldos», caindo na tentação da 'graça barata', em que se pede e exige à Igreja todos os direitos, para poder entrar e celebrar os sacramentos, sem se identificar e sem se comprometer minimamente com nada e com ninguém.
Este "todos, todos, todos" do Papa Francisco não significará, pois, uma "entrada" ao desbarato, sem verdade cristã nas intenções e disposições.
Pressupõe-se, para quem quer entrar na Igreja, o desejo de fazer parte dela, de participar, de ser membro ativo e de "pleno direito" na vida da comunidade eclesial. E isso implica não só graça como missão, não só direitos como deveres.
O acolhimento cordial não pode dispensar o apelo à conversão, até ao bem possível, que cada um pode oferecer na sua resposta à graça de Deus.
E a estes, a todos estes, todos, todos, todos, desejosos de iniciar um caminho de pertença e de participação, nunca se poderá impedir de entrar; a estes todos não se deve "alfandegar" a fé, com normas e regras, que os deixem sempre do lado de fora e com o complexo de culpa.
Todos terão o seu lugar, na Igreja. Todos, todos, todos. Mas isso também significa que devem querer fazer desse lugar não um direito de posse temporária, mas uma possibilidade de viver a sua vocação e missão, mesmo se com algumas limitações.
Os ouvintes, porventura mais desprevenidos, ficarão com a ideia de que aquele "todos, todos, todos" do Papa Francisco seja uma espécie de via verde, sem quaisquer restrições, para aceder à vida da Igreja, à comunhão eclesial e até aos sacramentos, como se, de repente, a celebração dos sacramentos não pressupusesse a fé da Igreja e pudéssemos banalizar tudo, como se tudo e o seu contrário, valessem a mesma coisa.
Doravante, alguns leigos – sobretudo os mais distantes da comunhão eclesial – poderão pensar que qualquer filtro ou "crivo" para se tornar cristão, para exercer um múnus ou ministério na Igreja (para ser padrinho ou madrinha), para batizar ou comungar na Eucaristia, é algo contrário à vontade do Papa, que insiste tanto no "todos, todos, todos".
Ora a parábola que o Papa cita para justificar esta opção (Mt 22, 1-15) é a do convite de um tal Senhor para um banquete, em que, depois de sucessivas declinações dos primeiros convidados, se alarga o convite a todos os que se encontrar pelas ruas e encruzilhadas dos caminhos.
Mas a mesma parábola também alude à presença de alguém que, estando ali, não veste o traje nupcial, não veste a camisola, não se identifica com o grupo. E a esse é dada a ordem de saída.
Portanto, é preciso caldear este "todos, todos, todos", com a certeza de que a porta está aberta a todos, é uma porta alta, mas é sempre uma porta estreita.
É verdade, que muitas vezes, a estreitamos, a tal ponto, que ninguém poderia passar por ela, mas também é verdade que alguns, quando entram, já o fazem pela porta de saída.
Portanto, a afirmação do Papa tem de ser complementada com outra na vigília de oração: “Na vida, nada é de graça; tudo se paga. Só uma coisa é gratuita: o amor de Jesus” (Papa Francisco).
Amaro Gonçalo, aqui

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