Decorreu em Fátima,
desde o passado dia 27 de julho até dia 31, dia 31, o XLI Encontro
Nacional de Pastoral Litúrgica, uma iniciativa do Secretariado Nacional de
Liturgia que, este ano, aborda e aprofunda a temática “A Comunicação na Liturgia”.
Trata-se, na visão dos seus mentores
e organizadores, de uma temática “sempre atual”, dado que, sem esquecer as
novas tecnologias, a Liturgia é “por sua natureza comunicação”.
D. José Cordeiro, bispo de Bragança e
Miranda e presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade,
declarou, na sessão de abertura do encontro, que a Liturgia “é a comunicação de
Deus ao homem, é a comunicação do Pai pelo Filho no Espírito Santo e depois a
resposta do homem no Espírito Santo pelo Filho ao Pai”. Por outro lado, o mesmo
prelado, que também é interveniente ativo no referido encontro, sublinha que, ao
integrar as novas realidades e as novas formas de comunicar, a Liturgia se torna
“mais participativa por todos” porque é na participação ativa e consciente, que
“se vê como essa comunicação é em si mesma”.
Os trabalhos repartem-se por
conferências para todo o auditório, workshops
por setores e celebrações litúrgicas, decorrendo, no Centro Pastoral Paulo VI,
as conferências (no Auditório) e os workshops
(no Salão Bom Pastor, os de numeração
ímpar e, no Auditório, os de numeração par). Trata-se de aprender ouvindo,
partilhando experiências e exercitando a celebração, no pressuposto pedagógico
“usa e serás mestre” (“exercendo
disces”) e do aforismo teológico “lex
orandi, lex credendi”.
Assim, dá-se conta dos temas das
conferências previstas (sempre às 17 horas – dias 27 a 30) e a decorrer e dos
respetivos conferencistas: a Liturgia,
comunicação global, a 27 de julho,
pelo Padre Professor Bruno Cescon (Concordia-Podernone,
Itália); a Liturgia,
mistério de comunhão: palavra e rito, a 28 de julho, pelo Padre Doutor José Frazão Correia, Provincial
da Companhia de Jesus em Portugal; a
Liturgia e as novas tecnologias, a 29 de julho, pelo Dr. Paulo Rocha, diretor da Agência Ecclesia; e
as artes ao serviço da Liturgia, a 30
de julho, por D. João Marcos, Bispo
Coadjutor de Beja.
Os
workshops por setores estão a ser dinamizados (dois por dia, às 15 horas –
dias 28 a 30) pelos seguintes agentes: Cónego Dr. Luís Manuel P. da Silva, I – Presidir e comunicar; Prof. Emanuel
Pacheco, II – O canto como comunicação; Cónego Dr. João da Silva
Peixoto, III – A homilia; Cónego Dr.
Manuel Joaquim Costa, IV – O dinamismo da comunicação na Liturgia da Palavra; Padre
Dr. Francisco Hipólito Couto, V – Liturgia
e Mistagogia; e Padre Dr. Paulo Malícia, VI – Liturgia e Catequese.
Por seu turno, as celebrações são a
aplicação que mais tempo absorve aos mais de 1100 participantes, de várias
idades e serviços litúrgicos na Igreja. Assim, a oração de início dos trabalhos
decorrerá no Auditório do Centro Pastoral Paulo VI, no dia 27, à tardinha; a Oração
de Laudes, na Capelinha das Aparições, nos dias 28 e 29, na Basílica da
Santíssima Trindade, no dia 30, e no Centro Pastoral Paulo VI, no dia 31; a Oração
de Vésperas, na Basílica da Santíssima Trindade, nos dias 28 a 30; a Oração do
Terço do Rosário, na Capelinha das Aparições, nos dias 28 a 30; a Celebração
Penitencial, na Basílica da Santíssima Trindade, no dia 28; e a Missa, na Basílica
da Santíssima Trindade, nos dias 28 a 30.
***
A
pari, numa iniciativa inédita nestes encontros e porque a organização
entendeu “a especificidade da comunicação com os surdos na Liturgia", o
Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência, em colaboração com o Secretariado
Nacional de Liturgia, proporciona que, no decorrer do XLI Encontro Nacional de Pastoral
Litúrgica, haja interpretação em LGP (Língua Gestual Portuguesa) nas
missas do Santuário de Fátima celebradas às 11 horas, na basílica da Santíssima
Trindade, nos dias 28, 29, 30 e 31 de Julho, nas quais estão presentes os
participantes neste encontro.
Porém, o ineditismo de que se fala, refere-se
a estes encontros de Pastoral Litúrgica, que não ao Santuário de Fátima, já
que, por iniciativa deste, todos os domingos, desde 19 de maio de 2013, a Missa
das 15 horas, na Basílica da Santíssima Trindade, tem interpretação em LGP.
Por outro lado, no contexto da
transmissão das celebrações pela televisão e pela rádio, o responsável logístico
pelo encontro reconhece o seu alcance para quem “não pode estar a vivê-las in loco e em ato” mas lança o alerta no
sentido que “não podem ser substituídas” pelas que são a “própria realidade” da
celebração. O Padre Pedro Ferreira, diretor do Secretariado Nacional de
Liturgia, salientou a afirmação de que, “quando nós vivermos na Liturgia só dos
meios de comunicação, não precisarmos de ir à missa porque temos a televisão em
casa, estamos mal”. O mesmo sacerdote assinalou que as novas tecnologias podem
ter sido o pretexto para os participantes falarem da Liturgia “enquanto
comunicação” mas a “atenção centra-se essencialmente no que na liturgia é
comunicação”. E acrescentou: “A comunicação é a essência da Liturgia. Na
prática, nós ficamos a saber quem é Deus que se manifesta e quem somos nós”.
O encontro também provoca a reflexão sobre
o uso dos tablets e smartphones nas cerimónias, os quais podem
indevidamente favorecer a tendência de substituir o missal ou o lecionário.
Ora, segundo os liturgistas, estes meios “servem para a sua preparação, mas não
para sua celebração”. A propósito do papel dos meios de comunicação social em
torno da Liturgia, o Secretariado Nacional de Liturgia recorda, na promoção do
XLI Encontro de Pastoral Litúrgica, o n.º 57 da exortação apostólica Sacramentum Caritatis (SC), do Papa
Bento XVI.
Sobre a importância e utilidade dos
meios de comunicação social na liturgia, a SC esclarece:
Devido ao progresso admirável dos
meios de comunicação, nos últimos decénios a palavra ‘participação’ adquiriu um
significado mais amplo do que no passado; com satisfação, todos reconhecemos
que estes instrumentos oferecem novas possibilidades, inclusivamente quanto à
celebração eucarística.
Daí, resultam especiais cuidados na
formação e na assunção das responsabilidades da parte dos agentes pastorais do
setor:
Isto requer dos agentes pastorais do
setor uma preparação específica e um vivo sentido de responsabilidade; com
efeito, a Santa Missa transmitida na televisão ganha inevitavelmente um certo
caráter de exemplaridade; daí o dever de prestar particular atenção a que a
celebração, além de se realizar em lugares dignos e bem preparados, respeite as
normas litúrgicas.
E fica a advertência aos beneficiários
do serviço litúrgico dos meios de comunicação social:
Enfim, quanto ao valor desta
participação na Santa Missa pelos meios de comunicação, quem assiste a tais
transmissões deve saber que, em condições normais, não cumpre o preceito
dominical; de facto, a linguagem da imagem representa a realidade, mas não a
reproduz em si mesma. Se é muito louvável que idosos e doentes participem na
Santa Missa festiva através das transmissões radiotelevisivas, o mesmo não se
pode dizer de quem quisesse, por meio de tais transmissões, dispensar-se de ir
à igreja tomar parte na celebração eucarística na assembleia da Igreja viva.
D. José Cordeiro, na apresentação do
encontro, referiu-se à linguagem e ao livro na Liturgia, nos termos seguintes:
“A linguagem da Liturgia são ritos e
orações e tem a dignidade da própria celebração do culto divino. O livro em si
é também um sinal da presença da Palavra de Deus que é rezada, proclamada e tem
um rito próprio, um simbolismo e significado muito especial na celebração”.
No atinente à música litúrgica, o
eminente prelado de Bragança-Miranda refere que “Portugal é um dos países onde
mais se avançou no campo da música litúrgica” mas adverte que a Palavra de Deus
rezada “não pode ser uma invenção e uma moda do momento”. Por isso, esclarece
que “nem qualquer música serve para a Liturgia, nem mesmo a música sacra, o que
distingue a música litúrgica é que ela não é um adorno da celebração mas o cantar
a própria celebração”.
Além do tema de fundo, que é, como se
disse, a Comunicação na Liturgia,
merecem tratamento conveniente outros temas importantes, como: a Homilia, a Liturgia
da Palavra, as Artes, a Catequese e o Canto. Para a sua abordagem, participam
como oradores, entre outras figuras ligadas à comunicação e à pastoral da
Igreja, o padre José Frazão Correia, provincial da Companhia de Jesus em
Portugal, Paulo Rocha, diretor da Agência ECCLESIA, D. João Marcos, bispo
coadjutor de Beja e o padre Paulo Malícia, diretor do Setor de Catequese do
Patriarcado de Lisboa. A Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade
procurou que fossem outras vozes, que não apenas o liturgistas, a comunicar a
sua experiência à luz da Teologia, da Comunicação Social, das Ciências Humanas,
da Pastoral e da Espiritualidade.
***
Mas afinal a Liturgia é mesmo comunicação como asseguram os oradores
acima referidos? Descobriram agora a “pólvora” litúrgica?
A palavra “liturgia” existia no grego clássico – λειτουργία – e significava
“função” ou “serviço público” ou “qualquer serviço”. Porém, no grego do Novo
Testamento, passou a significar o “culto divino público”, a “liturgia”. E o
verbo “λειτουργέω”, que significava “exercer à sua conta funções públicas” ou
simplesmente “servir”, passou ao Novo Testamento com o significado de “servir o
Senhor”, “desempenhar funções sagradas” (cf Isidro Pereira, Dicionário
Grego-Português e Português-Grego, 6.ª ed. Porto: Livraria Apostolado da
Imprensa, 1984).
Habitualmente, fixamo-nos nos ritos que espelham o culto de adoração (latria)
público que o Povo de Deus (reunido em assembleia ou representado pelos seus
ministros) presta ao seu Senhor e o de hiperdulia ou de dulia, prestado respetivamente,
à Virgem Maria e aos Santos e Anjos. No entanto, sempre se vão lembrando os
outros fins do culto: o eucarístico (de louvor e ação de graças), o
impetratório (de súplica) e o propiciatório (de pedido de perdão).
Os cristãos, como refere o Livro dos Atos e a literatura patrística, reuniam-se
assiduamente para o ensino dos apóstolos, a união fraterna, as orações e a
fração do pão. E todos viviam em grande alegria, dando testemunho da
Ressurreição. Frequentavam o Templo. Tinham tudo em comum e nada faltava aos
necessitados (cf At 2,42-47; 4,32-37).
Está visto que a prestação do culto compagina o ato de comunicação:
rezando, fala-se com Deus (comunica-se com Ele); escutando a Palavra, Deus
faz-Se ouvir (Ele comunica connosco); respondendo à Palavra de Deus com o
silêncio, comunicamos com Deus e connosco mesmos e deixamos que Ele se meta
connosco, e respondendo com o ato de fé e a oração comum, comunicamos com Ele coletivamente
e em coro e comunicamos entre nós; reunindo-nos na união fraterna, comunicamos
uns com os outros; fazendo a memória da Paixão, comunicamos com o passado que
se presentifica; aguardando a escatologia da vinda do Senhor, comunicamos com o
futuro; e, comungando o Pão da Vida e bebendo do cálice da Salvação,
comunicamos com o corpo e alma do povo, da Igreja, dos santos, dos defuntos. É
a festa total para a comunicação no terreno do dia a dia, para a missão e como
testemunho da Salvação em Cristo.
E como se comunica na Liturgia? Com a Palavra divina, com a palavra
humana, com o canto, com os gestos, com a oração em voz alta, com o silêncio, com
o ato de fé, com a música instrumental, com a água benta, com a campainha, com
as velas, com a oferta, com a comunhão, com a mesa da Palavra, com o altar, com
o Livro, com a Cruz, com os motivos artísticos, etc.
Habitualmente, comunicamos voltando-nos todos para um mesmo sítio
(livro, cruz, ambão, altar, pia batismal, sacrário…), mas, por vezes,
voltamo-nos uns para os outros e até nos movimentamos (em cortejo, procissão,
saudação…).
E, quando o sacerdote oficiava de costas para o povo e voltado para o
altar, fazia-o em nome e representação do Povo de Deus e voltava-se para o povo
para o saudar, para o convidar à oração e para o instruir. Repare-se que os
textos da Missa, da Liturgia das horas e de muitos momentos sacramentais estão
predominantemente redigidos no plural. É o culto público ao menos em potência.
Depois, é de notar que o sacerdote tem duas formas gestuais de rezar: rezando
em nome próprio ou com o povo, fá-lo “usualmente” de mãos postas; se reza em
nome do povo, fá-lo “usualmente” de braços semiabertos, embora na conclusão da
oração passe à posição de mãos postas.
Por tudo isto, perceber e estipular como própria da Liturgia a dimensão
da comunicação não é nada demais. No entanto, concorda-se que, ao longo do
tempo, tem sido uma dimensão subliminarmente evidenciada, embora se tenha
insistido muito na necessidade de participação de todos (e não na mera
assistência e na encomenda de serviços religiosos), mas com o zelo excessivo da
observância das rubricas, pelo que a Comissão Episcopal da Liturgia e
Espiritualidade e o Secretariado Nacional de Liturgia estão no bom caminho. E é
bom que se ponham ao serviço da Liturgia e dos crentes todos os meios que
possam torná-la mais viva, apetecida e frutuosa.
Deus o merece, o homem precisa e a Igreja realiza-se!
2015.07.30 – Louro de Carvalho