Deus e o coronavírus é o título de um livro recente e tema de muitas publicações. E seria certamente assunto para um vivo diálogo, onde talvez ganhassem o debate mais as perguntas do que as respostas! À vista da pandemia, para uns, a ação do vírus seria uma lição ou um castigo de Deus por causa dos nossos pecados contra a Sua criação; para outros, seria o próprio Deus a origem do coronavírus, enquanto Criador de um mundo imperfeito. Para uns, a pandemia poria em causa a omnipotência de Deus, impotente diante do mal. Para outros, fica a questão: se Deus sabe e pode tudo, porque não evitou a propagação deste vírus? Para uns, a bondade de Deus está posta em causa, com a morte de tantos inocentes. Para outros, Deus é o tal santo milagreiro que os poupou ao contágio fatal do vírus. Para uns, Deus é simplesmente indiferente à sorte dos seres humanos, porque não intervém quando mais era mais preciso. Para outros, afinal, tudo isto é obra do Diabo! Seja como for, parece que Deus, mal ou bem, acabou por ser invocado, contestado, convocado, no contexto da atual pandemia. Males que vêm por bem!
Mas, se repararmos bem, as tentativas de resposta às perguntas ora pecam pela arrogância, ora pecam pela cobardia, ora pecam pela presunção: pecam pela arrogância, quando se pretende explicar tudo, como se o mistério de Deus, ou o mistério da vida, ou o mistério da dor, do amor e da morte, se resolvesse por uma razão superior, por uma qualquer teoria científica ou por uma fórmula matemática; pecam pela cobardia, quando se pretende julgar Deus no tribunal da história, para fugir às responsabilidades da liberdade humana; pecam pela presunção, quando alguém livre do vírus se julga um eleito de Deus, merecedor de uma graça que a muitos foi negada. O piedoso “graças a Deus” destes acaba por ser um insulto aos que foram atingidos pela pandemia.
O nosso Deus é um Deus que entra na história
para caminhar connosco, como nosso aliado e companheiro, e não para nos
substituir no nosso papel. O nosso Deus é um Deus que não Se isolou nos altos céus,
mas desceu à Terra, para partilhar a nossa condição humana, fazendo da Sua
santa humanidade um caminho de acesso a Ele. O nosso Deus é um Deus que Se
escondeu e Se esvaziou da Sua glória e poder, para fazer brilhar toda a beleza
da nossa dignidade humana. O nosso Deus é um Deus que Se autolimitou nos
Seus poderes e recuou para a sombra, para nos dar um
espaço pleno de liberdade. O nosso Deus é um Deus Crucificado, um Deus do
excesso e do dom e não um Deus conquistador e do sucesso. O nosso Deus é um Deus
que sofre connosco, sofre por nós, sofre como nós, sofre em nós. Este Deus da
Cruz, da morte e da Ressurreição de Jesus, não é um Deus impassível, mas é um
Deus ferido por amor, um Deus que não Se furtou, nem poupou a própria vida,
para salvar a nossa. É um Deus cujo único poder é o Amor com que
nos ama, perdoa e restitui à vida.
Amaro Gonçalo
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