segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O Papa e os portugueses ou o primeiro pecador…


A Rádio Renascença, hoje, dia 14 de setembro, pelas 9 horas, pôs no ar a entrevista concedida há dias pelo Papa Francisco à jornalista Aura Miguel, com acreditação permanente no Vaticano. Está programada a repetição da passagem da entrevista para as 19 horas de logo. 

Nessa entrevista dada em exclusivo à RR, Francisco fala de Portugal e dos portugueses, da Igreja Católica que está em Portugal e do Santuário de Fátima; verifica que um dos maiores males do mundo é a corrupção a diversos níveis, o que deixa as pessoas desiludidas; e acredita que o grande desafio da Europa, que se enganou ao recusar inscrever nos Tratados a sua matriz cristã, passe da avozinha em que se tornou ao estatuto e à função de “mãe Europa”; apela ao acolhimento dos refugiados enquanto ação humanitária de emergência, que não dispensa a integração e a deteção das causas e o combate às mesmas; pede uma catequese menos teórica, mais prática e mais radicada na vertente da misericórdia; quer que a Igreja saia de si mesma e não aprisione o Cristo e o seu Evangelho.

A presente reflexão cinge-se àquilo que o Papa disse sobre o que pensa de Portugal e dos portugueses.

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À questão levantada pela jornalista como é que “um Papa que vem do fim do mundo” olha para Portugal e para os portugueses, Francisco revela que do Portugal físico só conhece o aeroporto, onde apenas estivera uma vez, há anos, em trânsito de Buenos Aires para Roma, “num avião da Varig que fazia escala em Lisboa”. No entanto, declarou conhecer muitos portugueses, dando como exemplo o caso do Seminário de Buenos Aires, onde “havia muitos empregados, emigrantes portugueses, gente boa, que tinha muita familiaridade com os seminaristas”.

Acrescentou que o pai “tinha um colega de trabalho português” e que se lembrava do seu nome, “Adelino, bom homem”. Também conheceu “uma senhora portuguesa, com mais de 80 anos”, que lhe deixara boa impressão.

Dos exemplos aduzidos passa à asserção de que nunca conheceu “um português mau”.

Ora, o campo empírico apresentado para concluir da existência ou não de portugueses maus é muito reduzido. Não quer dizer que os não haja, mas não convém ao Pontífice pronunciar um juízo negativo sobre um povo de que pouco conhece a não ser por via indireta.

Ademais, pelos relatórios que terá lido e a crer nas palavras que dirigiu aos bispos de Portugal por ocasião da visita destes Ad limina, percebe-se que Sua Santidade sabe que muitas coisas não estão bem. Recordo alguns exemplos: a voz da Igreja em Portugal não é devidamente escutada e seguida; muitos jovens abandonam a prática religiosa no pós-Crisma; algumas paróquias vivem demasiado centradas no seu pároco e nos seus assuntos, sem abertura solidária ao todo da Igreja e da Sociedade; os manuais da catequese espelham a figura de Cristo, que pode ser difícil de identificar na pessoa do catequista e na vivência da comunidade.

Por isso, o Papa, enquanto elogiava a caminhada sinodal da Igreja em Portugal e os seus esforços de evangelização e solidariedade, disse aos bispos portugueses:

“A Igreja em Portugal precisa de jovens capazes de dar resposta a Deus que os chama, para voltar a haver famílias cristãs estáveis e fecundas, para voltar a haver consagrados e consagradas que trocam tudo pelo tesouro do Reino de Deus, para voltar a haver sacerdotes imolados com Cristo pelos seus irmãos e irmãs”.

 

Por isso,

“Precisamos de conferir dimensão vocacional a um percurso catequético global que possa cobrir as várias idades do ser humano, de modo que todas elas sejam uma resposta ao bom Deus que chama: ainda no seio da mãe, chamou à vida e o nosso ser assomou à vida; e, ao findar a sua etapa terrena, há de responder com todo o seu ser a esta chamada: ‘Servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor’ (Mt 25,21).”.

Nesta curiosa entrevista, ao ser-lhe recordado por Aura Miguel o seu discurso aos bispos portugueses, em que elogiava o povo português e olhava para a nossa Igreja com serenidade, a jornalista evidencia que o Papa manifesta uma preocupação em relação aos jovens e outra em relação à catequese. E acentua a forma da linguagem utilizada no discurso papal: “os vestidos da primeira comunhão já não servem aos jovens” e alude a “certas comunidades que insistem em vestir-lhos”.

Francisco escuda-se na adução de que “é uma maneira de dizer”, mas explicita com clareza:

“Os jovens são mais informais e têm o seu próprio ritmo. Temos de deixar que o jovem cresça, temos de o acompanhar, não o deixar sozinho, mas acompanhá-lo. E saber acompanhá-lo com prudência, saber falar no momento oportuno, saber escutar muito. Um jovem é inquieto. Não quer que o incomodem e, nesse sentido, pode-se dizer que ‘o vestido da primeira comunhão não lhes serve’.”

 

Ao contrário das crianças que, pelo contrário, “quando vão comungar, gostam do vestido da primeira comunhão”, “os jovens têm outras ilusões que, muitas vezes, são muito boas, mas há que respeitar, porque eles mesmos não se entendem, porque estão a mudar, estão a crescer, estão à procura”.

O Papa entende que “é preciso deixar o jovem crescer, há que o acompanhar, respeitar e falar-lhe muito paternalmente”. Porém, não se deve deixar de criar exigências aos jovens, as quais para surtirem efeito devem tornar-se atrativas. E surge o exemplo:

“Se você propõe a um jovem – e vemos isto por todo o lado – fazer uma caminhada, um acampamento ou fazer missão para outro sítio, ou por vezes ir a um “cotolengo” [obra, fundada pelo sacerdote italiano José Benedito Cotolengo, de acolhimento de doentes com grave deficiência  múltiplas, abandonadas pelas famílias e em situação de risco] para cuidar dos doentes, durante uma semana ou quinze dias, entusiasma-se porque quer fazer algo pelos outros, está envolvido”.

 

À pergunta de Aura Miguel sobre o jovem, Então, porque é que não fica? – Sua Santidade responde laconicamente, mas com determinação: “Porque está a caminhar”.

No atinente à catequese, a perspetiva papal é a de que “não seja puramente teórica”. Sendo a catequese dar doutrina para a vida, “tem de incluir três linguagens, três idiomas: o idioma da cabeça, o idioma do coração e o idioma das mãos”. E especifica os três idiomas: que o jovem pense e saiba qual é a fé, mas que, por sua vez, sinta com o seu coração o que é a fé e que, por sua vez, faça coisas. Se falta à catequese um destes três idiomas, ela não avança. São, em suma, três linguagens: pensar o que se sente e o que se faz; sentir o que se pensa e o que se faz; e fazer o que se sente e o que se pensa.

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Sobre o centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima e a expectativa que se está a criar em torno da sua vista a Portugal, até porque três Papas já nos visitaram (Paulo VI, João Paulo II por três vezes – eu digo quatro – e Bento XVI), o Papa Francisco esclarece:

“Eu tenho vontade de ir a Portugal para o centenário. Em 2017, também se cumprem 300 anos do encontro da Imagem da Virgem de Aparecida. Por isso, também estou com vontade de lá ir e já prometi  lá ir. Quanto a Portugal, disse que tenho vontade de ir e gostaria de ir. É mais fácil ir a Portugal, porque podemos ir e voltar num só dia, um dia inteiro, ou, quanto muito, ir um dia e meio ou dois dias. Ir ter com a Virgem. A Virgem é mãe, é muito mãe, e a sua presença acompanha o povo de Deus. Por isso, gostaria de ir a Portugal, que é privilegiado.”

 

Não deixa de ser interessante a ponte lusófona que o Pontífice pretende fazer a pretexto dos centenários marianos coincidentes (o do Brasil, mais antigo; o de Portugal, privilegiante), que a entrevistadora chamou de data estereofónica, aspeto sublinhado pelos risos do entrevistado.

E também sabemos que o cardeal secretário de estado do Vaticano vem presidir à peregrinação aniversária de outubro de 2016, como que precursor do Papa Francisco que espera vir a Fátima no 13 de maio seguinte.

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Por fim, há que sublinhar a resposta às questões: E o que espera de nós, portugueses? Como podemos preparar-nos para o receber e também para seguir os pedidos de Nossa Senhora?

A este respeito o Papa é clarividente:

O que a Virgem pede sempre é que rezemos, que cuidemos da família e dos mandamentos. Não pede coisas estranhas. Pede que rezemos pelos que andam desorientados, pelos que se dizem pecadores – todos o somos, eu sou o primeiro. Mas a Virgem pede e há que se preparar através desses pedidos da Virgem, através dessas mensagens tão maternais, tão maternais... e manifestando-se às crianças. É curioso, Ela procura sempre almas muito simples, não é? Muito simples.

Francisco apresenta-se como o primeiro pecador, não porque seja quem tem mais pecados, mas porque é o primeiro rosto de uma Igreja Santa in Christo – cabeça, mas pecadora na vida dos seus membros.

Entretanto, o Papa tem um recado quase subentendido aos portugueses, que não pode passar em claro. Ele, Bergoglio, é fruto da onda migratória de 1929:

Eu sou filho de emigrantes e pertenço à onda migrante do ano 1929. Mas na Argentina, desde o ano 1884, começaram a chegar italianos, espanhóis... portugueses, não sei quando chegou a primeira onda portuguesa; vinham sobretudo destes três países. E quando chegavam lá, alguns tinham dinheiro, outros iam para o hotel de emigrantes e daí eram enviados para as cidades. Iam trabalhar ou procurar trabalho.

Então, mais do que a sensação gostosa da lisonja papal, deve apostar-se no alinhamento pela perspetiva catequética de Francisco e pela sua exigência de colocar a Igreja em saída às periferias e no acolhimento a quem foge da miséria, da guerra e da perseguição – salvo por acaso ou por milagre do látego da exploração ou da fúria das ondas do mar da morte.

2015.09.14 – Louro de Carvalho

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