1. Dia Mundial do Doente ou Dia dos Namorados? A pergunta parece estranha, mas coloca-se oportunamente, quando se lê a frase bíblica escolhida pelo Papa Francisco para a sua Mensagem, neste 32.º Dia Mundial do Doente: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Estamos mais habituados a escutar esta frase no contexto da celebração do noivado e do matrimónio. Mas o Papa alarga-lhe o sentido e chama-nos a atenção para esta dimensão relacional de toda a pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, que é comunhão de pessoas: a nossa vida, do princípio ao fim, é tecida por laços, por relações, de amizade e de amor e de cuidado de uns para com os outros. Somos pessoas que nascem, crescem, vivem e morrem, sempre num contexto de relação com a família, com a sociedade, com Deus e a Igreja e com o mundo que habitamos. Somos, por isso, chamados à comunhão e à fraternidade. Pelo que a solidão oprime e mata-nos, o abandono destrói-nos. E essa é hoje a experiência de muitos doentes e idosos, cujo maior sofrimento, não é tanto a dor física, mas sobretudo o isolamento, o afastamento, a marginalização, o esquecimento e a indiferença. É sobretudo isto que lhes retira a alegria, o significado e a esperança de viver. Pelo que a cura que salva não é apenas a aplicação certa da uma medicação, mas exige uma aliança terapêutica, entre médico, paciente e familiar. A cura significa e implica literalmente o cuidado da pessoa inteira, de corpo e alma, que tem a sua vida tecida por fios de (re)ligação aos outros.
2.Tudo isto é muito claro, na cura do leproso. Segundo a antiga lei hebraica (cf. Lv 13-14), a lepra era considerada não só uma doença contagiosa, mas a mais grave forma de impureza. Cabia aos sacerdotes diagnosticá-la e declarar impuro o doente, o qual deveria ser distanciado da comunidade e ficar fora dos povoados, até uma eventual e certificada cura. Nesse sentido, o leproso era visto como um imundo, um maldito, que devia permanecer distante de todos: não podia entrar no templo, nem participar no serviço divino. Longe de Deus, afastado dos homens, o leproso era visto como a vítima e o culpado. Era como um morto ambulante, a quem estão interditas as relações pessoais, familiares e sociais, afetivas, políticas e religiosas. E, por isso, o leproso é o símbolo da pessoa marginalizada, a quem é imposto um absoluto distanciamento físico e social. A lepra constituía, por isso, uma espécie de morte religiosa e civil. E a sua cura era vista como um milagre de reintegração na família, na comunidade, no culto, na sociedade.
3.O Evangelho mostra-nos o encontro de Jesus com um homem leproso. Ambos desrespeitam o cordão sanitário (cf. Lv 13,45-46). Porque Jesus é verdadeiramente o médico divino e não pode curar sem Se compadecer, sem o tocar, sem Se aproximar, sem correr Ele mesmo o risco de Se deixar contagiar. Depois de o curar, Jesus manda-o ir ter com o sacerdote, para lhe certificar a cura e, deste modo, o reintegrar na convivência familiar, religiosa e social. Em consequência, Jesus fica agora na condição do leproso: já não podia entrar abertamente em nenhuma cidade: ficava fora, em lugares desertos.
4. Irmãos e irmãs, o primeiro cuidado de que necessitamos na doença é uma proximidade cheia de compaixão e ternura. Por isso, cuidar do doente significa, antes de mais nada, cuidar das suas relações, de todas as suas relações: com Deus, com os outros – familiares, amigos, profissionais de saúde –, com a criação, consigo mesmo. É possível? Sim, é possível; e todos somos chamados a empenhar-nos para que tal aconteça! Confiemo-nos a Maria Santíssima, Saúde dos Enfermos, pedindo-Lhe que interceda por nós e nos ajude a ser artífices de relações fraternas, tecidas por laços de proximidade, ternura e compaixão!
Amaro Gonçalo, aqui
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