quinta-feira, 18 de maio de 2017

Papa foi a Fátima e não à sua caricatura

Francisco teve de salvar Fátima dos lugares-comuns e das caricaturas que existem sobre ela, sempre apontando para Cristo que é misericórdia e que é amor.

Para muita gente o fenómeno de Fátima parece mostrar que os católicos tratam Maria como se fosse superior a Jesus. Chama-se a isto Mariolatria e é uma velha acusação dos protestantes mais empedernidos. Alguns devotos insistem em dar-lhe força, infelizmente.
Outra imagem que chega de Fátima é de sofrimento. As visões do inferno; a conversa sobre os castigos; a própria iconografia dos sagrados corações, cravados de espinhos ou trespassados por espadas junta-se aos peregrinos de joelhos esfolados e em agonia a cumprir promessas, dando a ideia de que Deus é um comerciante que exige sofrimento a troco de favores.
Tudo isto são caricaturas, como é evidente. Cada religião as tem. Na devoção popular há muita verdade que às vezes foge às mentes que se julgam mais esclarecidas, mas também pode haver alguma confusão. Qualquer católico deve saber que a devoção mariana só faz sentido se pusermos em primeiro lugar aquilo que Maria disse nas bodas de Caná, apontando para o seu filho Jesus: “Façam tudo o que Ele vos disser”.
Francisco esteve em Fátima nos últimos dois dias e fez questão de trazer o remédio para a caricatura. Logo na primeira noite, na bênção das velas, não deixou dúvida sobre o erro que é ver Maria como “melhor do que Cristo”.
“Peregrinos com Maria… Qual Maria? Uma ‘Mestra de vida espiritual’, a primeira que seguiu Cristo pelo caminho ‘estreito’ da cruz dando-nos o exemplo, ou então uma Senhora ‘inatingível’ e, consequentemente, inimitável? A ‘Bendita por ter acreditado’ sempre e em todas as circunstâncias nas palavras divinas, ou então uma ‘Santinha’ a quem se recorre para obter favores a baixo preço? A Virgem Maria do Evangelho venerada pela Igreja orante, ou uma esboçada por sensibilidades subjectivas que a vêem segurando o braço justiceiro de Deus pronto a castigar: uma Maria melhor do que Cristo, visto como Juiz impiedoso; mais misericordiosa que o Cordeiro imolado por nós?”
Este sábado, Francisco voltou a insistir que Nossa Senhora não apareceu em Fátima para se tornar o centro das atenções. No centro está sempre Cristo. “A Virgem Mãe não veio aqui, para que a víssemos; para isso teremos a eternidade inteira, naturalmente se formos para o Céu. Mas Ela, antevendo e advertindo-nos para o risco do inferno onde leva a vida – tantas vezes proposta e imposta – sem-Deus e profanando Deus nas suas criaturas.”
Francisco não menospreza os avisos sobre o inferno nem a gravidade do pecado, insiste é que não se pode pautar a relação com Deus com base nessa visão. “Grande injustiça fazemos a Deus e à sua graça, quando se afirma em primeiro lugar que os pecados são punidos pelo seu julgamento, sem antepor – como mostra o Evangelho – que são perdoados pela sua misericórdia! Devemos antepor a misericórdia ao julgamento e, em todo o caso, o julgamento de Deus será sempre feito à luz da sua misericórdia”, disse ainda, na noite de sexta-feira.
E tudo isto dá sentido ao que o Papa disse aos doentes, num dos seus discursos mais fortes e bonitos, apesar de curto. Francisco não quer uma Igreja que faz o culto do sofrimento, uma Igreja dos coitadinhos. Há sofrimento? Há. Mas é “tesouro” e “um recurso espiritual” e não um castigo.
“A vossa presença silenciosa mas mais eloquente do que muitas palavras, a vossa oração, a oferta diária dos vossos sofrimentos em união com os de Jesus crucificado pela salvação do mundo, a aceitação paciente e até feliz da vossa condição são um recurso espiritual, um património para cada comunidade cristã. Não tenhais vergonha de ser um tesouro precioso da Igreja.”
O que é que o Papa veio fazer a Fátima? Veio mostrar que a mensagem ainda é actual. Fê-lo ao identificar-se como “bispo vestido de branco” na primeira oração na Capelinha das Aparições, mostrando que aquilo que Nossa Senhora disse não se esgotou em São João Paulo II.
E por isso mesmo, por ser actual e ainda necessária para o mundo, o Papa teve de salvar Fátima dos lugares-comuns e das caricaturas que existem sobre ela, sempre apontando para Cristo que é misericórdia e que é amor.
Filipe d'Avillez. aqui

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