quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Plano Pastoral: Apresentação do Plano Pastoral 2020-2021

ABRIR E SEMEAR SULCOS
DE PAZ E DE ESPERANÇA 
Carta Pastoral do nosso Bispo  
Nos sulcos abertos na terra lavrada/ cai uma semente mansa,/ carregada de esperança./ Talvez,/ na próxima primavera,/ um pé de trigo se levan te,/ e cante:/ bom-dia, meu amigo.// Na página em branco/ poisam as palavras, os sorrisos, os sonhos, a missão:/ a ternura de um Deus que quis precisar da minha mão.// Um vinco na página, uma dobra,/ transforma as palavras em mensagem,/ que a aragem do Espírito fará chegar a ti:/ Evangelização, missão coração a coração.// Abres a página dobrada sobre o vinco:/ as palavras saltarão para o teu seio,/ para o teu regaço,/ para o teu rosto,/ para o teu sorriso,/ para a tua mão.// Estão vivas as palavras, meu irmão,/ estão vivas./ Acordam quando tu as lês,/ todos os dias,/ quando desdobras a página, o coração,/ onde dormem suavemente enternecidas.// Vai, meu irmão!/ Vai, minha irmã!/ Não deixes para amanhã/ a beleza dos teus passos  sobre os montes:/ vive a missão, rasga horizontes!
A transportar: Igreja chamada e enviada, em caminho e em comunhão 
1. Em tempos normais, o ano pastoral que se aproxima, 2020-2021, seria o terceiro de um triénio dedicado à Igreja, em que queríamos salientar a identidade da Igreja, visível no seu rosto belo e feliz de Esposa de Cristo, de quem recebe a luz e a vida (mysterium lunae) (Igreja de Lamego em Caminho e em Comunhão, n.º 2), e mãe de tantos filhos, porventura feridos, mas felizes, comovidos, irmanados e empenhados na causa do Evangelho e da Evangelização. O primeiro ano do triénio, 2018-2019, colocou diante de nós a “Igreja [de Lamego], chamada e enviada em missão”. O segundo ano do triénio, 2019-2020, mostrou-nos a “Igreja [de Lamego] em caminho e em comunhão”, todos desafiados a caminhar, todos com todos, tantos rostos diferentes, empenhados e irmanados numa experiência de sinodalidade, que é a Igreja a fazer-se, mais do que fazer coisas na Igreja. Tudo somado: sentir a Igreja como coisa nossa, como causa nossa. 
2. Todos sabemos, infelizmente, que este caminho sinodal não foi levado até ao fim, devido à pandemia, que entretanto chegou sem pedir licença e sem pré-aviso, e fechou as nossas igrejas e até as nossas casas. De qualquer modo, o que nos vem de trás, e estreitamos com carinho nos braços e no coração, é a Igreja, nossa mãe, «Igreja de Deus», por Deus amada e chamada e saudada e enviada. Como Maria. Portanto, à Igreja, como a Maria, compete responder ao amor primeiro, à voz que primeiro a chama pelo nome, à saudação que lhe é dirigida, à missão em que é investida. Igreja de Deus, esposa de Deus, Igreja, nossa mãe, mãe dos filhos de Deus, filhos amados e irmanados, em caminho e em comunhão, habitados pela graça, e por graça vivendo em modo de peregrinação, em modo de oração, em modo de comunhão, em modo de participação, em modo de conciliação, em modo de irmão. 
Se o Senhor não tivesse estado connosco… 
3. Atingidos a meio do caminho pela pandemia, não ficámos, todavia, tolhidos nem atolados na desgraça, abandonados e paralisados no meio da praça. Soubemos dar as mãos, e levantámo-nos, e vamos continuar a levantar-nos uns aos outros, não por virtude ou mérito nosso, mas porque Tu, Senhor, estás connosco, caminhas connosco, e nos circundas de graça. Bem sabemos que a ciência pode ou não produzir uma vacina, mas 6 | | 7 sabemos ainda melhor que cada vontade boa pode transformar em arado qualquer espada, semear em cada sulco uma semente, em cada vinco uma mensagem de esperança, e talvez na próxima primavera, quem sabe, se há de levantar de cada sulco um pé de trigo, de cada vinco um pedaço de Evangelho. Mas, medindo sempre cada tempo e cada passo, cada sucesso e cada fracasso, continuamos a rezar com o Salmista: «Se o Senhor não tivesse estado connosco» (Salmo 124,1-2). Se o Senhor não estiver connosco… Sabemos bem que reside aqui, na chama viva desta presença, a raiz da esperança que arde e luz em nós. 
4. Não admira, pois, que onde o mundo diz, desde Sócrates, um orgulhoso e autorreferencial: «conhece-te a ti mesmo!», nós ousamos dizer de outra maneira: «conhece o teu Deus!» (1 Crónicas 28,9). E, porque somos por Ele conhecidos (Gálatas 4,9), também O conhecemos a Ele, e sabemos que o Senhor, nosso Deus, «que habita nas alturas, na eternidade e na santidade», manda dizer por intermédio do seu profeta Isaías, «que habita também no meio de nós, que está no meio de nós, para dar vida e alento e esperança aos pobres e humilhados, aos que não têm espaço nem sequer para respirar, aos que têm o coração despedaçado» (Isaías 57,15). É esta presença de Deus no meio de nós que é a nossa força e a nossa esperança. Agora, com estrondo, pela voz do profeta Zacarias: «Assim disse o Senhor dos exércitos: “Naqueles dias, dez homens de todas as línguas que se falam entre as nações agarrar-se-ão a um judeu pela orla [do seu manto], e dirão: Nós queremos ir convosco, porque ouvimos dizer que Deus está convosco”» (Zacarias 8,23). É por isso que, no meio da dor, da pandemia, da morte e do luto, não podemos deixar de seguir Jesus, não de longe, mas bem de perto, agarrados a Jesus, e vendo o Evangelho a acontecer à nossa frente, tal como Zacarias o predisse: «Uma mulher, que sofria de um fluxo de sangue havia doze anos, e que ninguém tinha conseguido curar, aproximou-se de Jesus, por trás, e tocou na orla do seu manto; no mesmo instante, o fluxo de sangue parou» (Lucas 8,43-44). «Se o Senhor não tivesse estado connosco, que o diga Israel…». E digamos nós também, e continuemos a dizer nós também, porque Ele está connosco, porque Ele vai connosco, abrindo para nós o véu e o céu, como nosso único precursor (Hebreus 6,19-20). Jesus é aqui chamado precursor (pródromos), e é a única vez que o termo é usado em todo o NT. João Batista nunca recebe este título; ser-lhe-á atribuído mais tarde pela tradição cristã, devido à sua função de «preparar os caminhos do Senhor» (cf. Lucas 1,76). João Batista pode ser então o precursor de Jesus, mas Jesus é o precursor de todos, «tendo inaugurado para nós um caminho novo e vivo» (Hebreus 10,20, que nos introduz na intimidade de Deus.
Do lado de cá da meia-noite 
5. Na Nota Pastoral «A Páscoa é a nossa pátria», de 17 de maio passado, inseri um grito de esperança dorida do profeta Isaías: «Sentinela, quanto resta da noite? E a sentinela responde: já desponta a manhã, mas é ainda noite» (Isaías 21,11-12). A este registo de esperança dorida e enigmática de Isaías, junto agora um canto de esperança semeado por Jeremias no vale ou sulco de lágrimas, ao mesmo tempo côncavo e convexo, unindo terra e céu, da povoação de Ramá: 
«Levanta-se uma voz de Ramá, lamentação, lágrimas amargas. Raquel chora os seus filhos, e não quer ser consolada porque já não existem. Mas assim disse o Senhor: “Que cesse o teu pranto, e cessem também as lágrimas dos teus olhos, pois há consolação para a tua dor: os teus filhos regressam do país do inimigo. Eis que os faço vir do país da meia-noite, reúno-os dos confins da terra, o cego e o aleijado, a mulher grávida e a que dá à luz, todos juntos, uma grande multidão que regressa. Regressam com as suas lágrimas, com os seus lamentos. Conduzi-los-ei às torrentes de água, por um caminho reto sem qualquer obstáculo…”» (Jeremias 31,15-16.8-9). 
Convergência vertiginosa e desconcertante, em que o tempo do regresso do exílio se sobrepõe à ida para o exílio! 
6. É notável a página de Jeremias, em que a tinta da esperança surge manchada pelas lágrimas; portanto, um tanto ou quanto deslavada, mas ainda assim legível e clara. Ramá (atual er-Ram) era o primeiro posto de concentração, situado a uns 7 quilómetros a norte de Jerusalém, para onde eram conduzidos os exilados de Judá e de Jerusalém, que de Ramá partiam, acorrentados, a caminho da Babilónia. Jeremias conhecia bem a base militar de Ramá, pois, segundo o seu próprio relato (Jeremias 40,1), para lá tinha sido também conduzido, embora já antes tivesse sido libertado em Jerusalém pelas autoridades babilónias (cf. Jeremias 39,11-14). Distração e excesso de zelo dos guardas, com certeza. Mas, desta maneira, Jeremias experimentou também a triste condição de exilado! Feita a triagem em Ramá, Jeremias acabou por ser reconduzido à liberdade, mas ficaram- -lhe sempre a doer na alma os lamentos e as lágrimas que lá viu, sentiu e ouviu. Raquel é a mãe que chora a morte dos seus filhos, e representa todas as mães que choram a morte dos seus filhos. Todavia, vê-se no andamento do texto, vem misturar-se a estas vozes lacrimadas e doridas a voz de Deus, carregada de luz e de esperança. É assim que é possível, é assim que é legível a convergência do regresso com o ingresso no exílio! Do mesmo modo que é possível e legível ver Jeremias, conduzido sempre pela mão de Deus e pelo olhar atento de Deus, a arrancar da lama uma flor de amendoeira  (Jeremias 1,11-12). 
7. Como acabámos de ver, Jeremias foi libertado dos grilhões de deportado, e veio juntar-se a Godolias, que Nabucodonosor tinha deixado como Governador da terra de Judá (Jeremias 40,6). Godolias acabou, porém, por ser assassinado pelo partido anti babilónico e filo-egípcio (Jeremias 41,2), e os assassinos, temendo represálias da Babilónia, fugiram para o Egito, arrastando consigo Jeremias (Jeremias 43,6-7), que por lá terá morrido no esquecimento e no abandono, engolido pelas dunas do deserto, envolto no seu manto de lágrimas e de esperança. Sim, Jeremias é um dos maiores cantores da esperança. Não a vai buscar a vãs promessas político-militares, sociais ou económicas, mas arranca-a da tormenta que o habita, e partilha-a apenas com aqueles que, como ele, experimentam a amargura do sofrimento, e «comem o pão das lágrimas» (Salmo 80,6): os pobres e os abandonados, os deserdados e os famintos, os deportados, os que morrem no deserto e velam nos seus túmulos, sulcos semeados de lágrimas e de flores, e que um dia darão o seu fruto! Ainda não é noite o dia inteiro! Ainda há uma manhã para cada noite! 
8. A página em carne viva de Ramá, com a esperança a despontar das lágrimas, termina com uma confissão intensa de Jeremias: «Neste ponto, acordei e abri os olhos: doce tinha sido o meu sonho!» (Jeremias 31,26). Confissão comovente e desconcertante. Em Jeremias, a alegria é real, mas parece nunca ter sido senão um sonho. É a alegria de amanhã, de depois de amanhã, daquele amanhã que Jeremias nunca conheceu, de que nunca vislumbrou sequer o alvorecer. Mas Jeremias sabia que, embora fosse ainda noite, a aurora tinha de aparecer, porque já tinha ficado para trás a meia-noite! Trata-se, portanto, não de um sonho noturno, em que vêm à tona secretos desejos antigos, expostos à interpretação, mas de um sonho diurno, proativo, que traz à tona ideias ou ideais que não pedem interpretação, mas elaboração! Talvez o verdadeiro Génesis não esteja no princípio, mas no fim, conforme as repetidas mensagens performativas de Deus que atravessam a Escritura, prometendo e desenhando já novos céus e uma nova terra (Isaías 65,17; 2 Pedro 3,13; Apocalipse 21,1). Significa isto que, embora estejamos ainda no meio da noite desta pandemia, não nos é permitido falar de catástrofe. Significa mais ainda que não podem as coisas continuar como estão (a que chamam ”novo normal”), nem sequer simplesmente voltar ao como estavam antes (a que chamam “normal”); isso, sim, um tal regresso, um simples regresso, é que seria a verdadeira catástrofe, como acertadamente refere Walter Benjamin, noutro contexto igualmente difícil. Portanto, temos de ser habitantes de uma esperança grande, e não gente resignada a coisas meramente “normais”, daquelas que se compram e se vendem. Não basta mudar o quadro, mantendo sempre o mesmo prego. É mesmo preciso mudar também o prego. E talvez também a parede. É isto que é “sonhar para a frente”, para usar a linguagem de Jeremias lida por Ernst Bloch, a quem devemos também as palavras em epígrafe neste apartado. A situação que nos é dado viver, também por graça, reclama de nós, não um mundo assim-assim, mas um mundo novo, ao nível da nossa condição de filhos de Deus. 
Missão essencial 
9. Aí está então o  nosso trabalho, aqui e agora, e daqui para a frente. A nossa maneira de estar, não tanto fazendo mais coisas na Igreja, mas ajudando a Igreja a fazer-se como um novo espaço relacional, com um novo rosto, e um modo novo marcadamente evangelizador. Podemos, para tanto, pôr diante dos olhos duas situações elucidativas do Papa Francisco, ambas decorrentes do Encontro de Aparecida. 9.1. O Encontro de Aparecida teve lugar entre os dias 13- 31 de maio de 2007. E o então Cardeal Bergoglio foi escolhido como presidente da comissão encarregada da redação do documento final, que foi entretanto publicado no Brasil em edição conjunta da CNBB, Paulus e Paulinas, Brasília, São Paulo, 2007. O extenso documento está disponível, e não vamos aqui voltar a ele. Mas podemos referir uma pequena alusão a ele feita num extrato ilustrativo do Discurso do Cardeal Bergoglio, enquanto arcebispo de Buenos Aires, na primeira reunião do Conselho Presbiteral ocorrida no dia 15 de abril de 2008. Eis o extrato: 
«A proposta de Aparecida é mais audaz, vai para além da missão programática, sem a excluir. A Missão proposta em Aparecida não é limitada no tempo, mas pensada de modo que, depois do seu começo, possa continuar a caminhar, como missão permanente. Não se trata de programar um conjunto de ações (embora não sejam excluídas), mas do início de qualquer coisa cuja projeção não se pode determinar ou precisar. Podemos então falar de missão permanente e da Missão continental que Aparecida propõe como “Missão paradigmática”. Isto significa pôr a missão como clave interpretativa de toda a ação pastoral; quer dizer, reforçar um processo pastoral que tem como caraterística específica a dimensão missionária nos âmbitos da pastoral ordinária: não é uma ação missionária ad extra, mas antes ad intra e ad extra, contínua e permanente. A missão torna-se o paradigma de toda a ação evangelizadora». 
9.2. Tendo sempre em atenção as palavras do Papa Francisco, é bom que se distinga, sempre sem exclusões, entre «missão programática» e «missão paradigmática». Quem diz «missão», pode dizer «pastoral» ou «vida eclesial», ou «conversão pastoral da comunidade paroquial» ou «conversão missionária» (expressões recorrentes na recente Instrução «A conversão pastoral da comunidade paroquial ao serviço da missão evangelizadora dgreja», da Congregação para o Clero, de 29 de junho de 2020). A distinção entre «missão programática» e «missão paradigmática» é hoje, não apenas importante, mas imprescindível. Vale a pena passar os olhos outra vez pelas próprias palavras do Papa Francisco, ditas em 28 de julho de 2013, no Rio de Janeiro, num encontro com os bispos responsáveis da CELAM: 
«A missão programática, como o seu nome indica, consiste na realização de atos de índole missionária. A missão paradigmática implica, ao contrário, pôr em clave missionária as atividades habituais das Igrejas particulares. Torna-se evidente que acontece aqui, como consequência, o surgir de uma dinâmica de reforma das estruturas eclesiais. A “mudança das estruturas” (de caducas para novas) não é fruto de um estudo acerca da organização do sistema funcional eclesiástico, de que resultaria uma reorganização estática; é, antes, consequência da dinâmica da missão. O que faz cair as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos, é a vivência missionária ou missionariedade. Daqui a importância da missão paradigmática». 
Casa a casa, família a família, rosto a rosto, coração a coração 
10. Abrir um sulco, e semear de novo: missão essencial, missão paradigmática (não episódica), missão total, missão a todos confiada, missão envolvente, de dentro para fora e de fora para dentro. Sim, também de fora podem vir desafios imensos: veja-se a mulher e mãe “libanesa” com lugar cativo no Evangelho (Mateus 15,21-28). Não se trata, portanto, de um rol de coisas a fazer na Igreja, mas da Igreja a fazer-se, impelida e envolvida na ventania ou no redemoinho do Pentecostes (Atos 2,1-11), cujas réplicas continuam a fazer-se sentir desde Jerusalém, passando por Samaria, Cesareia Marítima, Éfeso (cf. Atos 4,31; 8,17; 10,44; 19,6), espero que também por Lamego. A pandemia pode forçar-nos a um certo distanciamento ou confinamento social, mas é bom sabermos que o Evangelho não está encadeado ou confinado (2 Timóteo 2,9). Podemos e devemos rezar nas nossas casas, nas nossas famílias, pois o nosso Deus é «Deus de todas as famílias» (Jeremias 31,1), e o seu louvor pode ecoar de casa em casa, de família em família, de coração em coração, como bem exemplifica o Salmo: «Louvai o Senhor, porque Ele é Bom, porque o seu Amor é para sempre!/ Diga a casa de Israel: o seu amor é para sempre!/ Diga a casa de Aarão: o seu amor é para sempre!/ Digam os que temem o Senhor: o seu amor é para sempre! (Salmo 118,1-4). Não há parede nem porta que possa calar o nosso louvor! Já nas Cartas de São Paulo, o Apóstolo fala de comunidades onde pulsa a Igreja, usando para elas simplesmente o termo «casa» (veja-se, por exemplo, Romanos 16,3-5; 1 Coríntios 16,19-20; Filipenses 4,22). Nestas «casas» pode entrever-se a  o nascimento das primeiras paróquias (Instrução «A conversão pastoral da comunidade paroquial…», n.º 6), centros propulsores do encontro com Cristo (n. º 3). Em cada «casa», portanto, não se deixe de rezar, não se deixe de “sonhar para a frente”, não se deixe de elaborar o sonho, não se descure a missão! 
Ousemos construir um santuário de tempo 
11. Na verdade, as paredes não podem suster o pulsar do nosso coração. É talvez chegada a hora, para evitarmos confinamentos e distanciamentos sociais, de construirmos novos edifícios, não de pedras e de espaço, mas de tempo! A civilização técnica representa a conquista e a ocupação do espaço por parte do homem. A única entidade que se levanta para refutar o falso sentido de soberania do homem é o tempo! (Abraham Joshua Heschel). Construamos, pois, santuários de tempo. Os dias, com claro destaque para o Domingo, bem podem ser as nossas novas catedrais. Voltemos às «casas», e imitemos a primeira «catedral» da Igreja nascente, que estava bem assente em quatro colunas, e nenhuma era de pedra. Apresento-as: 1) a escuta da Palavra de Deus (ensino dos Apóstolos); 2) a comunhão fraterna; 3) a fração do pão; 4) a oração (cf. Atos 2,42-47). Enchamos, pois, todas as horas de Cristo, de sonho, de louvor e de missão. 
11.1. Para esta nova construção e dedicação do tempo, atrevo-me a oferecer algumas sugestões. Comecemos pela belíssima oração do Angelus Domini ou «Avé-Marias», que o Povo de Deus aprendeu a rezar três vezes ao dia, enchendo o dia: de manhã, ao meio-dia e à tardinha, acompanhada pelo toque dos sinos. Aqui a deixamos para quem não a tiver já à mão, ou já a tenha perdido ou esquecido: 
-O Anjo do Senhor anunciou a Maria. 
R/ E Ela concebeu do Espírito Santo. 
-Avé, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco! Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém. 
-Eis aqui a serva do Senhor. 
R/ Faça-se em mim segundo a vossa palavra. 
-Avé, Maria… 
-E o Verbo se fez carne. 
R/ E habitou entre nós. 
-Avé, Maria… 
-Rogai por nós, Santa Mãe de Deus! 
R/ Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.
-Oremos. Infundi, Senhor, nós vos pedimos, a vossa graça nas nossas almas, para que nós, que, pela anunciação do anjo, conhecemos a encarnação do vosso Filho, assim pela sua paixão e morte na cruz, cheguemos à glória da Ressurreição. Por Cristo, nosso Senhor. 
R/ Amém.
-Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Como era no princípio, agora e sempre. Amém
(3x). 
11.2. Deixamos também aqui a mais antiga oração conhecida, dirigida à Virgem Maria, que data mais ou menos do ano 300, e que é muito bela na sua simplicidade, e que nos ajuda a sentir seguros sob a proteção de Maria: 
«À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus; não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita». 
11.3. E, no século XI, por volta de 1050, o Povo cristão começou a rezar esta bela e bem conhecida oração, composta pelo monge beneditino Hermano Contracto [ou Hermano de Reichenau] (1013-1054), dirigida à Virgem Maria, como Rainha e Mãe de Misericórdia, esperança e advogada nossa, para que nos assista nesta vida difícil, volvendo para nós os seus olhos misericordiosos, e mostrando-nos Jesus. Hermano de Reichenau sofria de inúmeras doenças graves e viveu num tempo em que reinava a fome e epidemias várias. Não obstante essas inúmeras circunstâncias dolorosas, foi um sábio e um santo, e foi nessas circunstâncias que, por volta de 1050, deu corpo e espírito a esta bela oração. Cerca de um século mais tarde, S. Bernardo (1090-1153), de quem celebramos hoje a memória litúrgica, acrescentou os belos atributos «ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria» à oração original, que podemos hoje rezar em circunstâncias idênticas às do seu autor, entretanto beatificado em 1863: 
«Salve, Rainha, Mãe de Misericórdia, vida e doçura, esperança nossa, salve! A vós bradamos, os degredados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos da promessa de Cristo. Amém». 
11.4. E, no século XII, o Povo cristão saúda, com entusiasmo e belos títulos (Mãe do Redentor, Porta do Céu, Estrela do Mar), a Virgem Maria, e dela implora auxílio e misericórdia: 
«Santa Mãe do Redentor, Porta do Céu, Estrela-do -Mar, socorrei o povo cristão que procura levantar-se do abismo da culpa. Vós que, acolhendo a saudação do Anjo, gerastes, com admiração da natureza, o Vosso Santo Cria - dor, ó Sempre Virgem Maria, tende misericórdia dos peca - dores. Amém». 
12. Elaborar uma Carta Pastoral em tempo de pandemia, além de ser um singular exercício de reflexão e comunicação, é também um tempo oportuno para saudar afetuosamente todos os meus irmãos e irmãs que habitam as «casas» espalhadas pela nossa Diocese de Lamego. Dirijo uma saudação de particular afeto a todos os meus irmãos e irmãs que habitam e trabalham nas «casas» que são Lares Sociais. Não podendo estar convosco presencialmente, acompanho-vos na oração. A todos saúdo e peço que ousemos «sonhar para a frente», sempre todos juntos, abrindo e semeando sulcos de paz e de esperança. E para todos imploro de Deus a sua bênção, e de Maria, nossa Mãe, a sua proteção carinhosa e maternal. 
   
Lamego, 20 de agosto de 2020, Memória Litúrgica de S. Bernardo, Abade e Doutor da Igreja 
+ António, vosso bispo e irmão

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